sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Palavras sobre a experiencia... Reverberações do silêncio.

Uma experiência dramatúrgica” (de João Júnior)
09-11-2010 às 9:08 - Comentar
Por Jota Mombaça

A coisa do silêncio e as câmeras de segurança do edifício. Antes mesmo os pés filmados e os passos parando e seguindo, como asas de pássaros que voam e aportam em um ninho onde mal cabem, mas se apertam, sabe-se por quê…

Não cabe saber. “Sinto calor, sinto frio/ nordestino do Brasil/ vivo entre São Paulo e Rio/ porque não posso chorar.” Caetano Veloso, no começo de sua obra, mais ou menos situado no tempo do êxodo nordeste-sudeste, e mesmo um pouco depois, araçá azul, 72, por exemplo, parece nos aproximar do dilaceramento do nordestino migrante perante a cidade (grande) em que chega.

Imagens da PORTAR(IA), olhares sobre o SILÊNCIO.



Album de imagens das apresentações da temporada no salão nobre do Teatro Alberto Maranhão - Natal/RN. 28/10/2010 a 06/11/2010.
Fotos: Pablo Pinheiro.

sábado, 23 de outubro de 2010

Uma experiência?

O PROCESSO, uma experiência
A ciência moderna, a que se inicia em Bacon e alcança sua formulação mais elaborada em Descartes,
desconfia da experiência. E trata de convertê-la em um elemento do método, isto é, do caminho seguro da ciência. A experiência já não é o meio desse saber que forma e transforma a vida dos homens em sua singularidade, mas o método da ciência objetiva, da ciência que se dá como tarefa a apropriação e o domínio do mundo. Aparece assim a idéia de uma ciência experimental. Mas aí a experiência converteu-se em experimento, isto é, em uma etapa no caminho seguro e previsível da ciência.

Matéria na Tribuna do Norte

http://tribunadonorte.com.br/noticia/destinos-migrados/163192

Matéria no Jornal Tribuna do Norte acerca das jornadas da experiencia dramaturgica que será realizada em São Gonçalo do Amarante e em Natal. Fazendo algumas correções em relação a matéria o trabalho não é um experimento, e sim, uma experiência como cito no programa do espetáculo, que chama-se PORTAR(IA) SILÊNCIO, uma experiência dramatúrgica e as apresentações no Teatro Alberto Maranhão aconteceram sempre as 18 hs, abrindo o projeto FIM DE TARDE, a ser realizado no Salão Nobre do Teatro.

PORTAR(IA) SILÊNCIO, uma experiencia dramatúrgica.

sábado, 9 de outubro de 2010

A cidade oceano, o oceano em mim.

Um atrito se apresenta nesta reta final. Como transformar em métafora o corpo juntamente com a imagem? Como atritar a palavra proferida com o corpo em desalinho? Trazer a tona a experiencia da cidade dentro de mim. A experiencia do dia a dia de operário da poesia a olhar o metrô, os transeuntes, o trem, os centros da zona leste, o leste-oeste dentro de mim, o nordeste que vive aqui, os ruídos do mp4 que me auxilia nos labirintos que crio para abrigar os minotauros que alimento são motes para o desenho/não desenho deste corpo no espaço. Um corpo em ruído de criação e expansão. Um corpo dilacerado pela experiencia da migração. Um corpo destruído/reconstruído...
Bachelard me conforta:
Quando a insônia, mal dos filosófos, aumenta devido ao nervosismo causado pelos ruídos da cidade, quando, na Praça Maubert, tarde da noite, os autmóveis roncam e o barulho dos caminhões me faz maldizer meu destino de citadino, consigo ver paz vivendo as metáforas do oceano. Sabe-se que a cidade é um mar barulhento; já se disse muitas vezes que Paris faz ouvir, no meio da noite, o murmúrio incessante das ondas e das marés. Com essa banalidade, construo uma imagem sincera, uma imagem que é minha, tão minha como se eu mesmo a tivesse inventado, seguindo minha doce mania de acreditar que sempre sou o sujeito do que penso. Quando o barulho dos carros se torna mais agressivo, esforço-me para ver nele a voz do trovão, de um trovão que me fala, que ralha comigo. E tenho piedade de mim mesmo. Eis, pois o pobre filosófo de novo na tempestade, nas tempestades da vida! Faço devaneio abstrato-concreto. Meu divã é um barco perdido nas ondas; esse silvo súbito é o vento nas velas. O ar em fúria buzina de toda parte. E falo comigo mesmo para me reconfortar: vê, tua embarcação é resistente, estás em segurança em teu barco de pedra. Dorme, apesar da tempestade. Dorme na tempestade. Dorme em tua coragem, feliz por ser um homem assaltado pelas ondas.
E eu durmo, embalado, pelos ruídos de Paris.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. p. 46.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

PORTAR (IA) SILÊNCIO, uma experiência dramatúrgica

A primeira etapa da pesquisa está sendo concluída com a temporada da experiência dramaturgica a ser compartilhada entre os dias 25/10 a 06/11 em São Gonçalo do Amarante e Natal, assim como, a abertura do núcleo de pesquisa "Laboratório do Corpo" a ser orientado por Joana Levi (preparadora corporal da pesquisa) e do seminário "dramaturgia da recepção, o lugar do espectador na cena contemporânea" a ser realizado entre os dias 30/10 a 02/11. Nessa etapa da pesquisa a idéia é abrir o processo dessa dramaturgia que tem nas narrativas recolhidas com os migrantes nordestinos em São Paulo o mote para sua construção e pesquisa. A relação com o audiovisual foi o elemento detonador da busca pela fragmentação e performatividade das narrativas, bem como, da proposta sugerida pelo corpo na cena. Um olhar mais aprofundado sobre a relação dos entrevistados com a câmera intermediada por mim, revelou a relação de poder instaurada entre eu, proponente de uma pesquisa, e o objeto desta pesquisa, os migrantes-porteiros. A forma como cada entrevistado se comportou e narrou sua própria trajetória já continha uma reverberação profunda dos conteúdos de vida de cada, por mais, que este conteúdo estivesse sendo revelado entre-palavras, nos intertícios, nas respiração e no olhar fugidio. O audiovisual tornou-se um elemento de aproximação e distanciamento ao mesmo tempo. Distanciei-me num primeiro momento, no tempo do encontro, e me aproximei na solidão das análises de cada um durante as entrevistas. A dramaturgia que está sendo construída, está sendo sim, visto que o processo segue em andamento após esta experiencia de contato com o público, é a busca por entender a migração tambem através da forma que está sendo preterida, do narrativo para o performativo. Da palavra-imagem para o corpo-imagem. Um diálogo direto com o audiovisual como meio de aproximação do universo intraficcional proposto pelas primeiras narrativas apresentadas, bem como de distanciamento e estranhamento no encontro com o corpo-palavra na segunda parte do experimento até a implosão de todos os espaços onde tudo se funde de forma una, e ao mesmo tempo, fragmentada é o percurso dessa dramaturgia . Neste momento, portar o silêncio é fundamental para a construir a polifonia almejada. Acredito no ser migrante como condição sine qua non do viver, desde quando nascemos e migramos heroicamente de um meio líquido para adentrar a jornada do viver, assim como nos lega Joseph Campbell ao falar sobre a saga do herói, e morrer a cada dia até o momento que fazemos a "passagem". Morrer é um ato migratório de fusão ao universo. Senão estamos satisfeitos conosco, buscamos mudanças, migramos internamente de um lugar a outro dentro de nós mesmos. Somos nomades dentro da jornada interior que é o viver. Os deslocamentos territoriais são apenas reverber-ações de movimentos internos. O centro do mundo é o lugar onde se está, já dizia Milton Santos. Nesse sentido, o centro do mundo é construído através do meu olhar sobre aquilo que me envolve. O silêncio da portaria dos prédios foi o lugar que encontrei para ecoar as metaforas e jorrar as lembranças que utilizei para percorrer esta jornada de vida/artistica/processo/ de ser migrante que optei para manter-me vivo.

1 JORNADA
LOCAL: TEATRO MUNICIPAL DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE.
DIAS: 25, 26 E 27/10.
HORA: 20 hs.
Entrada Franca.
Retirada de ingressos nos dias de apresentação no teatro.

2 JORNADA
LOCAL: SALÃO NOBRE DO TEATRO ALBERTO MARANHÃO (NATAL/RN)
DIAS: 28 A 31/10
03 A 06/11
HORA: 18:00 hs.
Entrada Franca.
Retirada de ingressos nos dias de apresentação no teatro.
Obs.: No dia 06 haverá uma sessão extra as 20 hs.

FICHA TÉCNICA
Criação, dramaturgia e atuação: JOÂO JÚNIOR.
Supervisão artística e roteiro: LUIZ FERNANDO MARQUES.
Direção de video e imagem: LINA LOPES.
Preparação corporal e direção de movimento: JOANA LEVI.
Espaço Cênico: CRIAÇÃO COLETIVA.
Produção executiva (NATAL/RN): MÁRCIA LOHSS.
Captação de imagens (processo): LINA LOPES.
Captação de imagens (Lugares e Não-lugares): JOÃO JÚNIOR.
Captação de áudio e imagens (entrevistas): LINA LOPES.
Assessoria de Imprensa: MICHELLE FERRET.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O tempo

25´27´´ 32´´ 35´´ 60´31´´ 32´56´´ 12´14´´ 35´54´´ 21´34´´ 06´23´´ 54´56´´ 43´44´´ 11´23´´ 32´34´´ 06´43´´ 23´34´´ 17´54´´ 22´34´´ 12´43´´ 30´34´´ 18´45´´ 34´54´´ 12´21´´
14´54´´ 56´60´´ 54´21´´ 23´00´´ 21´56´´ 43´54´´ 1981 12´´23´´ 34´´54´´ 31´23´´ 24´24´´
1978 12´´ 23´´ 42´´12´´ 35´03´´ 54´ 32´´ 2008 21´´34´´ 52´´55201´´ 60´21´´ 54´23´´ 12´34´´ 1984 1979 1939 1950 01:35 34´00´´ 1973 45´54´´ 1980 33´22´´ 27.08 06:00 21´09´´ 22:32 2014 23.10 2010 55´56´´ 41´23´´ 14:30 1980 12´23´´ 365 12 30 ...

terça-feira, 14 de setembro de 2010

o encontro

O desenvolvimento da pesquisa corporal se deu a partir do material recolhido em video nas entrevistas com Sebastião, Severino, Antonio pernambucano, José, Manuel, Marco, Rosenildo, Antonio Baiano e Heronildes. Cada um dos entrevistados se expôs da maneira mais legitima diante da câmera. O olhar fugidio, a inquietação nas mãos, os lábios secos foram pontuações corporais no exercicio narrativo dos entrevistados. O olhar mostrou-se revelador diante do enquadramento proposto pela câmera. A partir deste material começamos a traçar uma pesquisa de corpo que buscava na codificação dos comentários corporais dos entrevistados um caminho de construção de uma narrativa corporal. É isso, começamos este processo de construção pelo corpo. Silêncio. A fala foi usurpada deste momento. Não sei bem porque isto aconteceu, de fato, aconteceu e a experiencia foi definindo os caminhos que estavam sendo trilhados. O melhor planejamento foi o processo. A construçao das fronteiras borradas dessa dramaturgia precisava chegar ao corpo. Bingo! O silêncio da fala foi fundamental para que pudessemos borrar a fronteira entre corpo e palavra. Mapeamos o espaço, mapeamos o corpo e agora chegou no momento de enxertar as narrativas nesse desenho corpo-espaço realizado no meses de julho e agosto. Meu corpo virou uma zona de conflito entre narrativa falada e narrativa corporal. O que interessa nesse momento é potencializar este conflito para que a palavra não se sobreponha ao corpo, visto que ela é poderosa. Um corpo que fala, as vezes, na contramão do que é dito. Um corpo que se apresenta a principio dramático em função das narrativas, e que é explodido dentro da camada intraficcional reverberando as outras vozes dessa dramaturgia. Qual o limite entre o depoimento pessoal, o personagem e o processo (involucro)? Como reunir estas três camadas? Neste tempo de silencio, onde não vinha postando informações a cerca do processo, estou reverberando as tensões geradas por este encontro. Meu corpo se tornou um campo de batalha onde os exercitos treinados por mim se enfrentam. Que todos morram aqui dentro. Enquanto eu enterro os corpos-sementes vou seguindo nessa primeira jornada.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

o não lugar dentro de mim









Experimento com o espaço a partir de provocações em video projetadas em um tecido que dividia o espaço em dois: o não-lugar, de onde se está, e o outro o lugar de onde se vê. A idéia de não-lugar foi criada pelo antropólogo francês Marc Augé onde ele define o não lugar como um espaço de passagem, diametralmente oposto ao lar, representado por espaços públicos de rápida circulação. Sozinho ou junto com outros o habitante do não-lugar mantém uma relação contratual com estes espaços que é representada por simbolos, como por exemplo, um ticket de metrô, um cartão telefônico, carteira de motorista, etc. No depoimento pessoal presente na construção da dramaturgia deste projeto a ideia de não-lugar está presente não só na perspectiva de vida instaurada após o processo migratório realizado por mim, onde atravessar esta cidade para cumprir compromissos profissionais, bem como, para São Carlos, interior do estado onde oriento o Grupo de Teatro Preto no Branco pelo Projeto Ademar Guerra do Governo do Estado, faz-me ser um ser andante onde muitas vezes, o meu rg é o cartão de débito, o bilhete único do metrô, entre outros simbolos da supermodernidade que caracterizam o não lugar definido por Augé. Passei a existir na vida em trânsito constante. Nos assentos do trem, no metrô, no ônibus a idéia recorrente, as lembranças, os sonhos, os desejos antigos e os novos tomam conta de mim. A pesquisa deste projeto está na vida. A pesquisa é uma escolha por lançar um olhar poético sobre a escolha de ser migrante que optei para a minha existência. Caminhando pelo país, pelo Rio Grande do Norte, pelos mares e ares de Natal, por São Paulo, pelo interior do estado, que é tão diferente da capital, por dentro de mim mesmo tenho descoberto infinitas possibilidades de um existir poético. A poesia tornou-se a casa onde moro, um lugar de resistência a impessoalidade do espaço em movimento. Nesse sentido, este sentimento de não pertencer, de estar na vida em suspenso e de passagem é um estado emocional do migrante, devido ao processo de desterritorialização vivido e pela perda de referenciais geograficos e culturais, onde a ideia de Augé a cerca do espaço fisico (aeroportos, hotéis,...) é desenvolvido na pesquisa dramaturgica do projeto como espaço simbólico localizado no plano subjetivo, no intimo do ser migrante, como provocação para um mapeamento das implicações existenciais detectadas nas narrativas e entrevistas realizadas com os porteiros durante o periodo de coleta destas entrevistas. Um não lugar de dentro. Abaixo seguem imagens do experimento realizado a partir das provocações em video realizadas por Lina, e pelo mapeamento do improviso realizado por mim no espaço e discutido por Joana.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Primeiro risco cênico - do lado de dentro.









Imagens do primeiro risco cênico ocorrido em Natal/RN na sede do Grupo Facetas, Mutretas e outras histórias, durante o evento Gambiarra no mês de junho deste ano. A ideia do experimento era a de investigar o espaço cênico a partir da experiencia vivenciada por mim na primeira entrevista feita com Sebastião de Lima, porteiro e zelador de um condominio em Santa Cecília, São Paulo/SP no mês de maio de 2010. Nesse sentido, a ressignificação do espaço simbólico da entrevista fazia-se necessário dentro de um processo onde os conteúdos narrativos da vida do Sebastião estavam imbricados na fragmentação do seu discurso falado, da relação de poder mantida pela câmera ligada no seu local de trabalho, na próprio desconforto de se sentir invadido naquele não-lugar onde ele passa o dia inteiro. Uma relação de poder estava estabelecida e do lado de cá, eu era o detentor de duas armas poderosas: uma câmera e uma ideia pre-concebida de projeto de vida/artista. Foda-se! Fui implodido pela experiencia, massacrado pelos meus preconceitos... Sebastião, resistiu! E nisso, me mostrou a força que possui os bardos dos migrantes. Seguem imagens do depoimento artistico que transformei esta experiencia. Em breve, seguiram postagens em video.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Um ator migrante

No mês de março cursei uma disciplina na pós-graduação da USP chamada Teatralidades Textuais não dramáticas: lugares de luta na dramaturgia contemporânea, ministrada pelo professor da UDESC Stephan Baumgartel. A idéia de cursar esta disciplina se dá pelo desejo de transformar este projeto, ou parte dele, num projeto de mestrado. Tanto tempo longe da universidade, desde que me formei em 2005, precisava ir voltando para jogar luz sobre este desejo. Bem, inocentemente, fui cursar esta disciplina que tinha como resultado a criação de um artigo cientifico, bom não criei um artigo, ou melhor consegui fazer um ensaio de um, pelo menos, mas enfim, é verdadeiro. Tem a primeira ideia de sistematização desse projeto e das descobertas no inicio dessa investigação. Segue o texto abaixo, com as correções e observações do professor.

Um ator migrante: o deslocamento de uma visão dramática para um olhar performativo.
João Batista Ferreira Júnior

"Com seus pássaros
Ou a lembrança dos seus pássaros
Com seus filhos
Ou a lembrança dos seus filhos
Com seu povo
Ou a lembrança do seu povo
Todos emigram

De uma pátria a outra do templo
De uma pátria a outra do Atlântico
De uma serra a outra das cordilheiras
Todos emigram

Para o corpo de Berenice
Ou o coração wall street
Para o último tempo
Ou a primeira dose de tóxico
Para dentro de si
Ou para todos
Para dentro de si
Ou para todos
Para sempre todos emigram"
(“O canto do emigrante”, Alberto Cunha de Melo.)

1. O INICIO DA VIAGEM, o processo migratório como dramaturgia pessoal do ator.

O poema de Alberto Cunha de Melo revela a condição humana de emigrante, seja no campo geográfico, no que diz respeito ao deslocamento do lugar de origem para outro lugar onde se acredita encontrar o destino de suas realizações, seja no campo da subjetividade, no rompimento do momento presente em função da construção do futuro almejado, enquanto individuo. “O migrante é um ser deslocado, movido de seu lugar primevo onde nesse deslocamento encontra-se sentido para esta condição” (MARANDOLLA JR & DAL GALLO 2009, p. 01).
A necessidade de trans-migração dos conflitos vividos pelo deslocamento territorial registrados na história de vida presente na dramaturgia pessoal do ator proponente da pesquisa do projeto Inventário, parte do entendimento de que o fenômeno migratório possui implicações geográficas e existenciais, onde tal necessidade reverbera na construção de um discurso poético onde a migração e suas implicações resultem na construção de uma dramaturgia escrita instalada no espaço acerca desse deslocamento. Assim, nasce na memória individual do ator a idéia de migração de uma experiência subjetiva para a criação de um projeto artístico que reverbere as vozes que ecoam na experiência da ruptura territorial com o lugar de origem. Hm, tenho dificuldades de seguir a sua argumentação, parece linguagem de projetos para editais!
Os estudos da memória ocupam um vasto campo de visão (antropológica, historiográfica, sociológica, etc), mas no que interessa a presente pesquisa é a idéia de que “a memória é sempre uma construção feita no presente a partir de vivências/experiências ocorridas no passado” (KESSEL,2003, p. 02). Nesse sentido, as lembranças carregadas pelo individuo em interação com a sociedade tornaram-se material de pesquisa para a construção de uma dramaturgia pautada no recolhimento de histórias de vida de migrantes, poesias, textos ficcionais, depoimentos pessoais e videodocumentais, no afã de dialogar as particularidades da memória individual presente na experiência particular de migração contida na dramaturgia pessoal do ator com as múltiplas vozes que caracterizam a memória coletiva dos migrantes nordestinos radicados na cidade de São Paulo . Transpor o particular para o coletivo, do público para o privado. Ok, as últimas frases foram bem claras.
2. “QUE NORDESTE É ESSE QUE VIVE EM SÃO PAULO?”, recolhendo histórias de vida.
O ponto de partida para a construção da pesquisa acerca da dramaturgia encontra-se no recolhimento de narrativas de vida de nordestinos que moram na cidade de São Paulo, no intuito de responder ao seguinte questionamento: “Que Nordeste é esse que vive em São Paulo?”.
A abstração e amplidão do campo de pesquisa se tornaram um entrave no desenvolvimento do processo. Era preciso um canal mais potente de escoamento das lembranças para a criação de uma tessitura coletiva de narrativas de vida. Esse canal foi encontrado numa verticalização do campo de pesquisa do projeto, onde uma definição mais especifica deste, tornou-se a metáfora necessária para dar vazão as lembranças e construção de uma memória coletiva do grupo de migrantes entrevistados. No caso, porteiros de prédios e condomínios da cidade de São Paulo. Através da metáfora encontrada na profissão, está sendo possível um mapeamento de sensações, situações, lembranças e desejos intrínsecos a condição de migrante, que encontra no silêncio provocado pelo cotidiano de trabalho e na invisibilidade da profissão um espaço fecundo para o mergulho nas lembranças. Nas madrugadas silenciosas e no cotidiano de trabalho onde o porteiro é o responsável pela abertura de um espaço privado para o público, o guardião de um lugar de passagem e deslocamentos diários, a memória é revisitada. A terra de origem se faz presente nas lembranças, o diálogo interno se estabelece. Segundo Haesbert,
... mesmo na condição de migrante, ele não tem certeza se um dia saiu da sua terra, e a dúvida do ficar ou partir é atroz, ao ponto de, no processo de mudança, ele ao mesmo tempo se perguntar se não teria ficado “morto por lá”. Este “levar a terra consigo” ou “ficar (simbolicamente) na terra de origem” envolve todo um questionamento muito pertinente num mundo de extrema mobilidade, de novos nômades, grandes diásporas migrantes, e ao mesmo tempo, de novos/velhos enraizamentos, de defensores ardorosos de seus antigos territórios. (HAESBERT, 1999:1).
No contato com os porteiros a condição de migrante se apresenta em crise com a ocupação do território, e assim, a questão da identidade ocupa o centro das discussões da pesquisa através da memória. Nas narrativas orais dos porteiros é perceptível a crise gerada pela ruptura territorial, e o sonho transforma-se em pesadelo real no contato com uma realidade excludente no processo de inserção no espaço escolhido para viver, onde “a primazia das relações e dos valores sociais está vinculada à acumulação de capital” (HAESBERT, 1999, p.170). Segundo Priscila Marchiori Dal Gallo & Eduardo Marandola Jr.,

Esta mercantilização das relações contemporâneas, onde o processo de desterritorialização original iniciado pelo movimento migratório se dá, em termos existenciais, pela saída do lugar-natal, o que implica deixar os lugares de infância, juventude ou idade adulta, responsáveis pela nossa formação enquanto pessoa e sob os quais está edificada nossa identidade.
É por isso que a desestabilização da ligação essencial do ser com o lugar causa um abalo na segurança existencial e identidade territorial do migrante, que tem de enfrentar um desencaixe espacial. Isso o torna suscetível à angústia e ansiedade, impondo a necessidade de enraizar-se no lugar de destino. A segurança existencial e a identidade do sujeito dependem de que ele estabeleça e cultive laços com o lugar, envolvendo-se com ele (MARANDOLA JR., 2008a). (DAL GALLO & MARANDOLA JR, 2009:3)

Nesse sentido, a insegurança existencial gerada por esta ruptura tem como reação o isolamento e a criação de estratégias de vinculo ao território ocupado que não promovem um sentimento de pertencimento. Estas experiências mostram que o fenômeno migratório possui implicações territoriais e existenciais, onde o enfrentamento provocado pelo desencaixe espacial gera angústia e ansiedade, no processo de filiação territorial. Assim, territorializar-se torna-se um mecanismo de proteção da segurança existencial.
Nas tensões geradas por esta escolha se dá o território de edificação desta pesquisa em dramaturgia. Na memória coletiva dos migrantes nordestinos e na solidão das portarias dos condomínios, ergue-se na dramaturgia pessoal do ator um projeto artístico. Um olhar poético sobre esta experiência pessoal torna-se um procedimento de territorialização, visto que nasce da memória individual de migrante, e mais especificadamente, na história de vida contida na dramaturgia pessoal do ator através do seu próprio processo de desterritorialização. Ok, mas dado o título deste trabalho, sinto falta de um elo retórico com a questão do performativo. O que vc coloca aqui poderia ser muito bem preparação para um trabalho de mimese corporal!

3. A ARTE DO CONTATO, um embate dialético.

O recolhimento das narrativas de vida dos porteiros migrantes do nordeste se dá através do registro em vídeo de uma conversa informal entre ator-migrante e porteiro-migrante. O estabelecimento do contato com os porteiros acontece no decorrer do tempo com a intimidade criada, gerando confiança no projeto para que possam abrir os seus “baús”.
O roteiro para as entrevistas se estabelece no contato, no entanto, algumas perguntas são detonadores para que ambos possam submergir na experiência da memória: “Qual a cidade natal? Como era a cidade quando criança? Como era a vida na cidade de origem? Por que saiu de lá? Por que escolheu São Paulo? Como foi a viagem até aqui? O que pensava durante a viagem? Qual a primeira impressão de São Paulo?. As respostas vêem seguida, geralmente, de uma pausa, um silêncio que grita e salta os olhos de quem as ouve no olhar, e geram, em alguns casos um turbilhão de acontecimentos narrados e em outros um conflito com o passado onde a não articulação da memória, se estabelece na fragmentação do discurso falado. Instaura-se um lugar de conflito gerado por este encontro. Ouvir torna-se um labor indispensável a esta pesquisa.
Tornou-se necessário, de fato, o mergulho na experiência objetiva gerada pela palavra, para que se destruísse um sentimento de manipulação dos caminhos percorridos nas lembranças alheias em detrimento do desejo criativo do projeto. Entrar em contato com o mundo interior do outro é um mergulho na própria existência através da linguagem. Nesse sentido, o “não agir” é algo fundamental para o desenlace das narrativas, dos fatos narrados, das lembranças, onde a escuta torna-se o melhor adubo para o terreno das sensações, do imaginário e das lembranças a serem colhidas. O encontro com o outro é também um defrontar-se consigo.

4. A ESCUTA QUE CONSTRÓI UM NOVO OLHAR, a performatividade do texto verbal.

A escuta torna-se um processo em construção, no qual os encontros com a forma e o conteúdo das narrativas geram diferentes sensações no corpo de quem as recebe. O desejo criativo de que as narrativas possuíssem um desenlace, uma construção organizada no tempo e espaço, na articulação dos personagens que fazem parte da memória do entrevistado através das relações geradas no aspecto intraficcional das narrativas, é fruto de uma concepção dramática já pré-estabelecida para a construção dessa dramaturgia. Nesse sentido, entende-se o drama através de uma visão teatral onde,

O teatro é pensado tacitamente como teatro do drama. Incluem-se entre seus fatores teóricos conscientes as categorias “imitação” e “ação”, assim como a concomitância quase que automática das duas categorias. Pode-se destacar como tema inconsciente, associado à compreensão teatral clássica, a tentativa de forma ou fortalecer por meio do teatro um contexto social, uma comunidade que una emocional e mentalmente o público e o palco.” (LEHMANN, 2007).

Uma visão dramática acerca da dramaturgia é abalada. Instaura-se uma crise: a ruptura de um aspecto performativo das narrativas subordinado ao drama. Nesse contexto, a observação diante da própria situação dramática gerada pelas entrevistas, onde se estabelece um diálogo que tem como fim a resolução de conflitos entre os “personagens reais” daquela situação (entrevista) através de uma troca verbal. O entendimento da palavra proferida sem conexões de tempo e espaço, a fragmentação de acontecimentos, os comentários do narrador diante das situações dramáticas apresentadas, conduzem o processo de entrevista a uma reflexão sobre a linguagem preterida. Um meta-processo se estabelece no intuito de destruir as próprias concepções acerca do processo e da linguagem. O entendimento das narrativas enquanto presentificação, e não como representação, arremessam as entrevistas para a performatividade da fala. Hm, isso são afirmações que vc não fundamenta através de uma análise de um processo de entrevista. Também há de se perguntar como este aspecto performativo sobrevive a codificação das entrevistas em “espetáulo” Segundo Novarina,

Falar não é comunicar. Falar não é trocar nem fazer escambo – das idéias, dos objetos -, falar não é se exprimir, designar, esticar uma cabeça tagarela na direção das coisas, dublar o mundo com um eco, um sombra falada; falar é antes abrir a boca e atacar o mundo com ela, saber morder. O mundo é por nós furado, revirado, mudado ao falar. Tudo o que pretende estar aqui como um real aparente pode ser por nós subtraído ao falar. As palavras não vêm mostrar coisas, dar-lhes lugar, agradecer-lhes educadamente por estarem aqui, mas antes parti-las e derrubá-las. “A língua é o chicote do ar”, dizia Alcuíno; ela é também o chicote do mundo que ela designa.

A palavra de acordo com Novarina é predecessora da linguagem, contém em sim uma potência interior, praticamente mística, visto que ela “existe em nós, fora de qualquer troca, fora das coisas, e até fora de nós” (NOVARINA, 1999). Engraçado que vc cita Novarina cuja linguagem altamente formalizada é tão distante da linguagem oral de memórias pessoais. Nesse embate dialético, desmorona-se os estudos da memória acerca da elaboração do projeto estético, visto que para a memória um dos elementos mais importantes, que afirmam o seu caráter social é a linguagem. Lembrar e narrar se constituem da linguagem. Como diz Ecléa Bosi a linguagem é o instrumento socializador da memória, pois reduz, unifica e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural vivências tão diversas, como o sonho, as lembranças e as experiências recentes (KESSEL, 2002).
Os fatos narrados e seus conteúdos se equivalem em importância quanto à forma de contá-los. A recepção das narrativas é interpelada pela forma não linear com que elas são feitas. O papel de condutor da entrevista é transposto, e o narrador torna-se o guia de suas próprias necessidades. A situação presencial das entrevistas transforma-se em conteúdo investigativo quanto à construção da dramaturgia. Nesse aspecto, a palavra contada edificada no âmago das lembranças dos entrevistados, se torna um exercício político ao percorrer o tempo e confrontar-se com o presente num embate com a experiência de ser migrante, onde muitas vezes, o retorno a terra de origem através da memória torna-se catártico, no sentido de uma profusão de lembranças, sensações e sentimentos que não possuem uma trajetória linear.
O contato com o texto verbal, desloca o papel de investigador de conteúdos para a pesquisa acerca da linguagem, e a forma do que é narrado problematiza a formulação dramática entre individuo, ação e diálogo, sendo o interlocutor-entrevistador-espectador um co-ator da experiência alheia, tornando aquela uma experiência própria, a partir do momento que se promove uma intervenção, um chamamento as forças libidinais, emocionais e sociais que constituem o individuo-receptor-pesquisador-ator daquela situação.
A situação representacional das entrevistas, torna-se um campo de pesquisa para a situação representacional a ser criada através da encenação a ser desenvolvida. O resultado de um espetáculo se dissolve no cotidiano do processo de sua construção, tornando o momento do contato com o público parte integrante do processo, e não mais, o fim da linha. O abrir de novas portas. O abrigo de novos olhares. A idéia de encenação é discutida a partir da experiência da recepção proporcionada pelas entrevistas, a interpelação gerada pelas narrativas, desloca o lugar de ator-entrevistador para outros espaços acerca desta pesquisa onde outros territórios precisam ser ocupados pelo ator: o dramaturgo, o encenador, o cenógrafo, enfim, um pensador e criador da experiência pretendida com esta pesquisa em sua amplitude acerca do fenômeno teatral. A experiência do ouvir tornou-se um pensar a cena e a construção da dramaturgia a partir das sensações provocadas pelo encontro com a palavra do depoente. O texto verbal se torna um caminho para a construção de uma dramaturgia onde as vozes dos “migrantes da portaria” ecoem junto a múltiplas vozes, onde o espectador a ser seduzido por este processo-espetáculo seja interpelado em suas forças interiores primitivas, em seus preconceitos, em sua racionalidade, assim como o ator foi convocado interiormente no recolhimento de seu material dramatúrgico através dos diálogos-entrevistas.
A transposição da situação gerada no processo de entrevista para uma situação representacional, onde o aspecto performativo mostrou-se um eco dentro da criação do fenômeno teatral pretendido com o projeto, revirou o entendimento acerca da pesquisa. A destruição de um olhar sobre o processo, com ênfase nos aspectos dramáticos que a cena a ser desenvolvida possa ter, se dá na experiência do próprio processo. Assim, a subjetividade artística, antropocêntrica, é destruída no embate com a linguagem. A experiência gerada pelas entrevistas tornou-se um procedimento para pensar o espaço a ser instalado o texto. No texto verbal criado através das narrativas dos porteiros, foi criado um espaço onde as qualidades corporais, espaciais e temporais da fala do discurso gerou um pensar a encenação como instalação.
O teatro enquanto meio de encenação (da forma dramática) tem como tarefa levar o representado à cena e desaparecer nesta encenação – o teatro enquanto uma situação de instalação, entretanto, torna perceptível o próprio ato da percepção e da recepção. Aqui, o enquadramento é focado e isso faz com que a função poética da língua [...] seja enfatizada em detrimento da sua função denotativa. [...] A instalação da linguagem verbal, seu enquadramento ostensivo, sua exposição ou desemantização, ataca sua função mimética representacional e denotativa, e direciona a língua de modo auto-reflexo para o lugar da fala. A língua enquadrada desta forma segue menos uma ordem semântica do que a dinâmica de uma composição cênica, visual e sonora [para] criar um espaço imaginário que é um espaço criado por vetores energéticos. Um aspecto desta nova concepção de espaço é a idéia de trabalhar com [a exposição das] dimensões corporais, espaciais e temporais da língua. (STRICKER, p. 60).

O olhar estético sobre a representação da cena processual das entrevistas, deu luz a construção de uma dramaturgia que na diversificação de seus processos construtivos, onde depoimentos pessoais, poesia, vídeos-documentais e escrita pessoal servem de detonadores de antigos modos de produção. A percepção do encontro com os porteiros durante seus depoimentos gerou no cerne do processo um olhar dilatado sobre o signo teatral. A construção de um olhar não-dramático sobre a cena, encontrando-se na idéia de teatro pós-dramático a construção dessa pesquisa, torna-se objeto de desejo, um devir necessário a transposição situacional da entrevista para a cena, desta experiência para o espectador. Segundo Silvia Fernandes (2006), em seu resumo crítico sobre o Livro Teatro Pós-Dramático, de Hans-Thies Lehmann citado por Baumgartel (2009, p. 129),

Para Lehmann, o teatro pós-dramático não é apenas um novo tipo de escritura cênica. É um modo novo de utilização dos significantes no teatro, que exige mais presença que representação, mais experiência partilhada que transmitida, mais processo que resultado, mais manifestação que significação, mais impulso de energia que informação.

A reverberação do encontro no campo energético criado entre locutor e interlocutor durante o diálogo registrado em vídeo, se enquadra perfeitamente?? Será que não há uma tensão aqui entre o uso do vida e o encontro presencial no teatro? na idéia de evocação do espectador como co-autor da cena no teatro pós-dramático. O distanciamento dos conteúdos presentes na narrativa, em detrimento da manifestação da forma narrativa utilizada pelos porteiros através do texto verbal e o contato com a câmera em ação no ato do registro do processo, se tornou um exercício de manifestação daquela situação, de evocação das forças internas do interlocutor, um exercício de presentificação, muito mais do que o registro de histórias de vida que pudessem servir a construção de uma dramaturgia pautada nos aspectos dramáticos.
O espaço das entrevistas tornou-se espaço simbólico para pensar a cena e a fruição da dramaturgia, bem como a sua construção, pois ele evocou uma nova percepção acerca da pesquisa, onde a forma, registrada no contato com o outro, torna-se elemento avassalador diante dos conteúdos pesquisados. Um contato com a forma narrativa utilizada pelos porteiros, e sua diversificação, provocou a busca pela criação de “espaços experimentais para percepções não-habituais, porque possibilitam uma nova consciência da situação que o teatro significava, desde já, enquanto prática teatral: o acontecimento de um encontro entre pessoas que apresentam algo e pessoas que assistem algo” (PRIMAVESI, in: ARNOLD, 2004: 9). É, mas o vídeo indica um mediador, alguém cria uma imagem para nós, enquanto no teatro a minha liberdade de olhar é muito maior!


5. MIGRAÇÕES INTERNAS, do representacional ao performativo.

Uma nova visão acerca deste trabalho ergueu-se a partir de um processo de desterritorialização da prática artística e da pesquisa pré-concebida, a partir da desconstrução de uma idéia de identidade. Assim, a prática do ator dentro desta pesquisa torna-se um exercício político na migração dos conteúdos que formam o entendimento de ator neste processo vida/artístico. A migração interna se estabelece como potência reconstrutora da prática artística. Um nomadismo de saberes, experiências e percepção realiza no cerne deste Inventário o surgimento de um “ator nômade”, consciente de sua condição migratória de vida, onde a experiência da inércia artística dá vazão ao movimento. Segundo Maria Cristina da Silva Pereira,

Entendemos por “ator nômade”, o ator que atua na sociedade operando sua criação e construção cênica a partir da desconstrução de uma noção fixa de identidade. Sendo a noção fixa de identidade a que nos referimos àquela que centraliza e asfixia todo e qualquer diálogo com a diferença. Bom poderíamos alertar também ao perigo de diluir, junto com as identidades fixas, as relações de poder! Tudo depende da contextualização que frisa as energias (e as propostas de sociabilidades) que fixam e outras que dinamizam as identidades.
De acordo com os estudos culturais de Stuart Hall: “As identidades, concebidas como estabelecidas e estáveis, estão naufragando nos rochedos de uma diferenciação que prolifera”(HALL, 2005: 44). Entendemos então que o ator tem uma função não só artística, mas também social de extrema importância tanto na construção como na desconstrução de suas práticas e reflexões poéticas, que direta ou indiretamente terminam influenciando o comportamento social e de sua arte enquanto forma de revelação e manifestação simbólica.(PEREIRA, 2008:2)

Dessa forma, na conscientização do papel social do ator a partir das migrações internas de seu processo de construção, destruição e reconstrução artística, apresenta-se o dissolvimento de idéias pré-concebidas acerca do teatro, pautada nos aspectos dramáticos do teatro, no que diz respeito a uma teoria do drama, onde o mover-se nos conteúdos e experiências torna-se um lugar de luta entre o passado e o futuro. O presente manifesta-se no conflito deste processo de territorialização dentro de si mesmo. A pesquisa em teatro proposta neste projeto transmigra-se para uma visão acerca da própria pesquisa da linguagem para o processo de formação de uma identidade em constante processo de construção, coerente com o mundo contemporâneo, onde novas diásporas migrantes se dão a partir do rebelar-se contra o próprio aprisionamento a conteúdos que não mais respondem ao mover-se no tempo/espaço tão característicos da condição de existência do homem contemporâneo. O nomadismo torna-se um ato de resistência, um ato de rebelia contra uma formação artística centrada numa visão antropocêntrica acerca do teatro.

Entre você e o mundo, prefira o mundo.
Franz Kafka.


Bom, João, acho que vc tem um material muito rico! Agora, mas transformar o seu ‘projeto’ em um artigo um pouco mais acadêmico e analítico, vc precisa evitar generalizações. Tem que ser mais específico e fazer algo que chamamos “estudo de caso”. Para isso, não basta falar de modo geral. É preciso elaborar uns paradigmas de análise, aplicá-los ao seu estudo de caso, e depois problematizar os resultados. Entendeu? Mas independente disso, acho a proposta muito interessante. Espero que vc consiga apoio para criar um trabalho teatral!
Nota: A







Referencias Bibliográficas


BAUMGARTEL, Stephan Arnulf. Um teatro contemporâneo como laboratório da fantasia social: alguns apontamentos acerca do teatro chamado pós-dramático. In: Urdimento. n, 09, Santa Catarina: Udesc, 2007.

GALLO, Priscila Marchiori D. & MARANDOLA Jr, Eduardo. Ser Migrante: Implicações territoriais e existenciais da migração. In: VI Encontro Nacional sobre Migrações. Belo Horizonte, 2002.

HAESBAERT, Rogério. Identidades Territoriais. In: CORRÊA, Roberto Lobato & ROSENTHAL, Zeny (org). Geografia Cultural: Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.

KESSEL, Zilda. Memória e Memória Coletiva.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: CosaicNaify, 2007.

LIMA, Wlad. Dramaturgia Pessoal do Ator. Pará: 2005.

NOVARINA, Valére. Diante da Palavra. In: Revista Folhetim, n.15,RJ: Funarte/Teatro do Pequeno Gesto, 2002.

PEREIRA, Maria Cristina da Silva. Ator Nômade: Saberes Órfãos. In: Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE), 5, 2008, Belo Horizonte. Anais...

Um não lugar - a portaria.

Ah, como faz tempo que não posto resolvi me animar depois do trabalho de hoje. Este inventário começou a ser desenvolvido no intuito de recolher narrativas de vida de migrantes nordestinos em São Paulo, e pelo viés da memória, construir uma dramaturgia que falasse do exilio vivido quando se desterritorializa-se. Encontrei um problema, não havia recorte no que estava propondo. Pensava em ir a São Miguel Paulista, bairro da Zona Leste de São Paulo, recolher histórias de nordestinos, visto que São Miguel é um bairro formado pela migração nordestina. ???????????? Sapos coacham na minha mente. Estou perdindo no pântano de minhas pretensões. Uma luz já se apresentava e eu ainda não havia dado conta, pois já vinha conversando com vários nordestinos radicados em São Paulo e não havia percebido que todos eles eram porteiros de edificios e condominios da cidade. Bingo!!!! Recolhi nove histórias de nordestinos que moram em São Paulo, todos porteiros de edificios e condominios. Descobri na portaria um não-lugar. Um lugar de passagem. Um lugar em suspenso, tão caracteristico da vida de um ser migrante. Um migrante é aquele que vive a todo tempo buscando territorializar-se no lugar que escolheu para viver, e nisso, muitas estratégias são criadas. Desde casar-se com uma mulher da mesma cidade a constituir vilas, comunidades e bairros inteiros onde pode se preservar um pouco da sua memória. A conversa com os porteiros mostrou que a portaria é um não-lugar, assim como o do migrante nesta selva de pedra (é como eu e tantos que conheço se sentem), onde a partir da memória os porteiros relembram toda sua história de vida, a trajetoria até aquela portaria, e almejam, em sua grande maioria o desejo de voltar, que resume-se ao desejo de ser feliz. Como diz Joseph Campbel quando fala do mito do Herói o ser humano é esse herói por excelencia desde quando nasce, visto que ali está sua primeira ruptura, sua primeira migração, ele é lançado ao mundo para vencê-lo, e assim, continua sua jornada. Migramos sempre, eu acredito. Seja territorialmente ou mesmo internamente, mas buscamos sempre sair de um lugar ao outro dentro e fora de nós mesmos no intuito de ser feliz, e ao mesmo tempo, estamos fadados a experiencia material do corpo, que horas liberta, em outras aprisiona. Assim como na portaria... O tempo passa, o dia inteiro e sentado atrás do balcão: Sebastião, Severino, Manoel, Rosenildo, Antonio, José, Marco, Heronildes e Antonio voam dentro de suas imagens poéticas de infancia, e eu, do outro lado da câmera me debato como artista-manipulador na busca de que eles traduzam as minhas histórias. Viva a palavra que chicoteia o ar e diz não!

terça-feira, 20 de julho de 2010

Um corpo cheio de olhos e olhares.

Há duas semanas comecei o trabalho de corpo com Joana Levi. Antes de relatar um tanto do que está acontecendo, vale ressaltar o valor deste trabalho com a Joana. A Joana é atriz-pesquisadora da Casa Laboratório de Teatro, e tem um trabalho de longa data a cerca dos caminhos do corpo, desde Pontedera na Itália ao Massud, nos EUA. Enfim, relatado um pouco sobre os mares que tenho percorrido através dela, vamos ao que interessa.
Começamos o nosso trabalho com uma apresentação de nossos repertórios a cerca do corpo. Fiz um aquecimento sozinho onde as referências que me acompanham num trabalho de preparação estavam sintetizadas numa sequencia. A partir dela, a ampliação de espaços internos e articulações se deram num primeiro momento a partir do peso do corpo sobre o chão em posições que promoviam torções. Nesse sentido, um trabalho de preparação que realizei num seminário com Danio Manfredinni, ator e diretor italiano, na Casa Laboratório no ano passado. Em seguida, um pouco de exercicios de bioenergetica experimentados em três e anos e meio de investigação em um processo terapeutico, até trabalhar a visão. A grande descoberta: a primeira visão. Entrevistas. Entre-vistas. O trabalho do chão até o plano alto, foi realizado de olhos fechados, quando me coloquei no plano alto, me foi proposto que descobrisse o proprio corpo a partir da visão. O olhar primevo. Um estado medidativo com o corpo no espaço. Meu corpo se desenhando no espaço sem o comando da mente, apenas reagindo ao olhar. Quando me dei conta já estava descobrindo os limites do meu corpo e do espaço a minha volta. A fronteira entre eu e o mundo. Caminhei na corda bamba antes de saltar o precipicio. Quando saltei descobri no espaço e na sua exploração que podia voar. Ocupei, fui ocupado, inseri ao ser inserido, fui e voltei várias vezes. Descobrimos o olhar. Este que há tanto em minha vida se mostra necessário ser desembaçado: terçol, calázio, miopia, óculos, astigmatismo, e por último, ceratite (um arranhado na córnea direita). Talvez, venha daí, o desejo de usar o audiovisual neste projeto. Visto que ele é desejo, e a cada dia, vem se tornando elemento fundamental na dramaturgia performativa que vem se instaurando. Olhar pelo olhar de uma lente como se fosse um espelho dilatando olhares. Meus olhos capturam. Minha mente edita. E eu sou um filme de mim mesmo nisso tudo. Representando a mim na portaria que me encontro.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

fugindo do tema

Estou na aula de Gestão de Projetos Cênicos, um curso que estou fazendo na Escola SP para as artes do palco sobre a viabilização e gestão de projetos na área das artes cênicas. Neste momento, estamos preenchendo uma planilha de um suposto projeto. Enfim, a idéia de cursar este curso foi o de aplicar os conhecimentos em gestão discutidos pelo curso no projeto. Enfim, tem sido bem legal. Sobretudo, quando recebemos alguns convidados para discutir politicas públicas para cultura, gestão de projetos já realizados... Foi incrivel a aula do Luiz Carlos Prestes Filho... No momento, estou fugindo um pouco da aula para registrar no blog a minha ansiedade por estes seis dias em Natal, onde o grupo de estudo "Video - Retrato da Memória" será iniciado nesta quarta-feira até o sábado. O restante do tempo estarei num trabalho de imersão dentro do projeto com o foco de levantamento de uma dramaturgia de cena. Chegou a hora de colocar no espaço toda a discussão, as crises, as dores e transformar em poesia as migrações internas deste individuo-artista-processo. Já estou no mar...
"Quem te ensinou a nadar
Quem te ensinou a nadar
Foi, foi marinheiro
Foi os peixinhos do mar..."

Estamos chegando...
Eu e Lina.
Viva o reencontro.

terça-feira, 1 de junho de 2010

video - Retrato da Memória

vídeo - retrato da memória
uma proposta de estudo experimental na fronteira entre o audiovisual e as artes cênicas.


Os planos do vídeo se articulam e criam diversas sensações aos expectadores pelo modo como sua composição é escolhida. As cores, os objetos, as texturas, o modo como os personagens estão lá retratados, a música de fundo, as falas e o gestos, tudo é construção de linguagem para levar o espectador as lágrimas, ao riso ou a uma reflexão. Assim também, a memória é, ou melhor, “são”, fragmentos de um cotidiano estranhado e elevado em seu significado a medida que alguém decide compartilhá-la. Ora, o que há de mais natural que a fotografia e o vídeo como apoios para a memória e a saudade?

E o que dizer quando é a saudade e a memória de outro? Pensando nisso, esse pequeno encontro tem o intuito de colocar o vídeo como mais uma ferramenta possível na construção de uma dramaturgia contemporânea em cena, abordando questões técnicas sobre sua própria linguagem e buscando articulações estéticas com a linguagem do teatro.




dias 1 e 2 - os elementos básicos de composição da linguagem audiovisual
exercício 3/9 planos: a partir de uma lista de ações possíveis (ler um livro, escrever uma carta, atravessar a rua, ligar o carro, fazer a mala, etc) os participantes devem fazer um vídeo no "gatilho" (sem edição posterior) contando umas das ações escolhidas por meio de 3 planos, e depois, a mesma ação contada em 9 planos.
1. entender o que são planos e cortes, movimentos de câmera e mise-en-scene, eixo de ação, roteiro, decupagem e montagem;
2. explanação sobre os sentidos humanos e a construção da memória como uma rede neurológica afetiva.
dias 2 e 3 - o documentário e o vídeo retrato
exercício retrato em movimento: a partir de um depoimento recolhido, duplas realizarão a sua refilmagem, atentos aos gestos, falas e respiração do depoente.
1. entender o documentário como um gênero que dialoga com o ficcional;
2. pensar como transformar a identidade de pessoas em um retrato em vídeo.
dia 4 - experimentação final
exercício vídeo em cena: em cima dos "personagens" escolhidos para o exercício do retrato, cada participante escolherá uma das ações do exercício 3/9 planos para fazer uma cena de interação com uma composição de vídeo em tempo real (live cinema).
1. o conceito de live image/live cinema e sua possibilidade de apropriação para a performance cênica.


Lina Lopes
possui experiência na área de artes com ênfase em Artes do Vídeo&Fotografia e Artes do Corpo, tendo estudado e trabalhado com Hugo Rodas, Isabel Teixeira, Luiz Fernando Marques, Zélia Monteiro, entre outros. Atualmente tem se dedicado a aglutinar sua pesquisa em representação do corpo nos meios técnicos como a fotografia, o vídeo e as instalações interativas com a performance. 


LOCAL: TECESOL (Sede do Facetas)
Periodo: 09 a 12/06.
Horario: Qua a Sex (18:30 as 22:30 hs)
Sabado (14:00 as 18:00 hs)





Algumas Observações:
1. quanto a quantidade de pessoas e público alvo: creio que umas 12 pessoas no máximo, para haver o maior aproveitamento possível da oficina. Essa é uma oficina para pessoas que atuam no teatro, seja como ator, pesquisador ou técnico;
2. quanto a equipamento: seria muito proveitoso que cada participante levasse seu próprio equipamento de captação audiovisual (celulares, filmadoras, mp3 palyers, câmeras fotográficas) bem como seus respectivos cabos, manuais de instalação e  etc;
3. quanto a questões menores como infra-estrutura e outras: um projetor e/ou televisão para a apresentação dos videos, extensões, benjamins, fita crepe, tesoura, barbante, papel, lapis, etc.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Migrações internas.

Texto escrito quando cheguei em São Paulo.

Cheguei às dezesseis horas de um domingo quente. O calor da cidade apontava a temperatura de meu coração-mundo aqui dentro de mim.
O asfalto quente fumaçava à minha frente. O fétido cheiro do ar empurrava-se narina a dentro. Havia me obrigado o gás carbônico. Tomei o torpor como opção.
Sequei as vias e rachei os lábios numa manifestação carnal de minha alma. Molhei infinitas vezes a boca pensando no beijo ausente que deixei para trás. Enfiei os dedos no nariz e o cinza se fez pele junto a minha. Cinza e sangue. Vida que se expele dentro junto com excremento.
Caminho sozinho no meio do nada. Um escuro repleto de corpos em movimento. Caminho num vão cheio de andares, luzes e alucinações. O vento frio seca o meu suor, e eu tenho seguido caminhando e agradecendo a gentileza do vento.
O vento tem se tornado meu fiel companheiro nessas tardes-noites de solidão. O vento tem cantando ao pé do meu ouvido lindas canções para celebrar comigo este momento-movimento, arrepiando meu corpo, enrubescendo meus pêlos e me sacudindo a todo tempo. Ando me sacudindo sozinho. Venho "tonto de mar" celebrar meu corpo na infinitude do concreto ao meu redor.
Um mar cinza com ondas caudalosas, retilineas e barulhentas quebram dentro de mim. Ele está em fúria com pressa de varrer o inesperado, com urgência de se acalmar. Mas, a tormenta está começando agora. Peguei os remos do barco e com força, que não sei de onde, brota dos meus braços finos fazendo-me vencer a violência das ondas.
A tempestade começou aqui dentro. Os relâmpagos rasgam dentro de mim, enquanto a lua se esconde por entre as nuvens. A chuva está começando e cá estou sem marquise, capa ou guarda-chuva pronto, inesperadamente, para me molhar.
O silêncio tem sido um aprendizado por obrigação. O silêncio, o grande aprendizado da solidão. Ele me faz ouvir o barulho da chuva apontando-se ao longe. Parece aquele barulhinho bom de chuva batendo na telha que eu ouvia quando estava deitado para dormir e chovia, e chovia, e chovia acima de mim. Mas, desde de menino, eu sempre chovi muito.
Pois bem, rainha chuva, aqui estou feito um menino debaixo da bica esperando tomar banho de rei, enquanto um temporal me devasta por dentro.
Bela rainha, Chove! Pois, já estou reinando.

São Paulo.
03:15 hs.
24/08/2008.

Elocubrações na madrugada

Se pudesses arquivar a saudade,
Se a presença não mais existe,
Se amar é mover-se,
Se viver é esvair-se no tempo.
Somos imparmanentes como o vento.
Somos um arquivo ambulante de sensações.
O que levamos?
O que deixamos?
Quem somos?
De poeira e chão,
Um pedaço da terra que pisamos.
Um caminho percorrido.
De cada vida,
Somos um verdadeiro,
INVENTÁRIO.

terça-feira, 23 de março de 2010

Uma Carta para Dizer que fui a Guerra

A pesquisa de grupo foi a base para a construção de minha prática. O contato com e
ética de trabalho em grupo se deu através dos três anos de trabalho junto do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare (Natal/RN). O afastamento do grupo me colocou em contato direto com o caos e a crise tão necessários a construção de um pensamento estético quedespontava no revoar de meus devaneios.
Enquanto vivemos em grupo conseguimos nos proteger nas muralhas que criamos
para sustentar nossas bases. Acredito numa política publica para teatro, consequentemente, num teatro público subsidiado pelo governo. A falta de caminhos para a renovação e alimento para meus questionamentos no Rio Grande do Norte, fizeram-me seguir adiante. Buscar fora das terras de poty água para matar minha sede. Na distância reencontra-se,constantemente, as lembranças.
O exílio é um encontro as avessas com a terra, que até então havia se perdido dentro
de mim. A memória foi o caminho encontrado para sustentar minhas pernas em meio ao
movimento dos carros e sombras dos prédios. A memória de tudo e de todos. A partir daí,surge o desejo de se debruçar sobre os recônditos da memória no afã de revelar “quem somos” nesse país de tantos. A saudade, herdeira da memória, é o sentimento condutor dessa redescoberta de minha identidade. Nasce a idéia de gerar um questionamento mais amplo sobre identidade cultural em conflito com a realidade cosmopolita, através da memória. No campo de estudo da memória, percebe-se a sua importância na formação cultural, nos diz Danilo Santos de Miranda em Memória e Cultura, a importância da memória na formação cultural humana, publicada pela editora SESC/SP em 2008:
... a memória, vincula-se, sobretudo, ao potencial transformador e à apreensão que se faz dos conteúdos propostos, à possibilidade de congregar beleza e crítica, entretenimento e formação de valores.
A cultura não se limita à preservação das identidades e tradições, mas relaciona-se com o modo de integração social e de superação de desigualdades, de autonomia dos indivíduos e das coletividades, no âmbito dos costumes, tradições, idéias e valores, modos de vida, de subsistência e existência. A cultura, continuamente construída, transformada e cultivada, deve considerar o imaginário, a criação estética e a reflexão como bens essenciais à sua formação. Ao mesmo tempo, a memória também se constitui pela interação de aspectos sociais e afetivos.
A memória se constrói a partir de acontecimentos arquivados, sejam eles bons ou
maus, mas sem sombra de dúvida, marcantes. Entender essas marcas pelo prisma da
história real, da formação da nossa identidade através do processo de colonização e
formação desse país iniciado pela região nordeste, dos acontecimentos pós-guerra, do
êxodo rural, do processo migratório em tempos de seca, em conflito com as histórias
pessoais de nordestinos que se afastaram de sua matriz cultural e genealógica é o caminho apontado nesse inventário de impressões descobertas na distância.
João Júnior.
Natal, 24 de Julho de 2009.
03:42 hs.
P.S: Meus olhos estão cheios de areia do mar aguardando o sono para me banhar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Hoje, o Janela passou a tarde conversando sobre a dramaturgia da recepção como solução para algumas lacunas do experimento do grupo. Nossa, Neto levou um texto sobre Estética Relacional e... BINGO! Tem tudo a ver com a recepção. Pensamos até que a dramaturgia da recepção seja uma das soluções que a Estética Relacional traz. Nossa, isso tem muito a ver com a oficina. A necessidade de se construir qualquer obra de arte que seja a partir dos leitores, espectadores e afins. A importância em pensar que o produto só se torna uma obra de arte quando é transformado pelo público ou quando o transforma e, portanto, só existe se esse público ta presente e atuante. E, pra isso, sempre pensar em códigos coletivos, naquilo que na oficina chamamos de “memória social”. Acho até que aquela conversa no final da oficina, pós-apresentações, contribuiu para essa Estética Relacional, já que os feedbacks de sensações revelaram pro coletivo – que fez os experimentos e que viu – inúmeras leituras, subjetividades e, de certa forma, quem viu se tornou atuante, porque os experimentos foram potencializados e tiveram uma nova leitura depois dos depoimentos das sensações, é como se muita coisa fizesse até mais sentido depois da conversa coletiva.


E o coletivo ia se situando, cada vez mais, como cardume, eram sensações e passos semelhantes que fazia com que, ainda que a vontade de sair existisse, todos ficassem.



“As obras de arte relacional promovem encontros intersubjectivos, cujos significados são construídos colectivamente e não numa esfera de consumismo individual. Ao contrário de uma obra autónoma que transcende o seu contexto, a arte relacional está condicionada ao seu ambiente e ao seu público. A relação obra de arte/espectador sofre uma transformação, no sentido em que o espectador já não observa a obra do exterior, mas passa a integrá-la, inserindo-se no colectivo, criando uma comunidade com carácter temporário ou utópico. A obra, aberta ao espectador, necessita da sua colaboração para se completar. Nicolas Bourriaud, considerado o “pai” da Estética Relacional, refere que não se trata apenas de uma teoria de arte interactiva, mas também de uma resposta à transição de uma economia produtora de bens, para uma economia produtora de serviços ou de pós-produção. É ainda vista como alternativa às relações virtuais da Internet e à globalização, que, depois de terem criado um fosso abismal no contacto corpo a corpo, mais não fizeram do que incitar o desejo de maior proximidade física com o interlocutor. A Estética Relacional desafia-nos a reformular a relação espaço/tempo”. (FILIPA ARANDA, Estética Relacional. Disponível em: http://filiparanda.wordpress.com/2010/01/27/estetica-relacional/ Acesso em: 22.02.2010)



Ana.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A gente reinventa memórias todos os dias. As nossas e as dos outros.

Às vezes eu tenho a impressão de encarar a realidade sempre diferente, tentando ser sempre quem eu quero ser, nessa busca mesmo. Buscando nos outros memórias nossas e tirando de nós memórias de outros também. Mas elas sempre ficam. Quando a gente não reage conscientemente a isso, o corpo responde, ele lembra. E como ele lembra!

A memória é tão particular, mas as sensações da lembrança são sempre universais, existe sempre identificação. Deve de ser por isso que o cardume, vez ou outra, vira à esquerda e vai em frente, sem tem porquês.

“Eu ainda tô me transformando no que eu quero ser”. Acho que é isso, a gente sempre está.

Começamos a caminhada, com os primeiros passos e cheios de coisas pra lembrar.


Ana.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Um devir necessário... Um trânsito interior.



Passos alados em busca de companhia.
-Joga as tranças!










Foto: Lina Lopes







Um descanso na loucura.
Minha mala-casa.
Meu sonho de vento.











Foto: Lina Lopes






De onde vim, do mar, já não me cabiam as ondas. As janelas explodiram. Eu chorei.









Foto: Lina Lopes.







As portas estavam fechadas.
Eu perdi as chaves.
Tempo.
Espera.
Na mala? Saudade.



Foto: Lina Lopes.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Terceiro dia de trabalho - imagens



Mergulhamos nos abismos do mar revolto de
nossas idéias. O mar pegou fogo!
















A cabeça fervendo por sobre o mar do facetas.













A roda de idéias.
Discussão sobre os textos:
O homem e a natureza - Daisaku Ikeda
Dramaturgia da recepção - José Sanchis Sinisterra













O artista-cangaceiro com a pexeira no pensamento.














De perto ninguém parece normal...











Segundo dia de Oficina

"Marquei com meu nego as cinco
Cheguei as cinco e quarenta,
Esperar mais de cinco minutos,
Quem é que aguenta!..."

Adoniran Barbosa

Está dificil começarmos pontualmente a oficina. Acho que o horário de 18:30 hs tem sido complicado para as pessoas. Mas, a demanda da oficina é grande para pouco tempo de trabalho e precisamos seguir firme no esforço com o tempo. Devido ao atraso, resolvi inverter as ações preparadas para o dia de ontem. Começamos o dia reunidos em grupos, e cada coletivo preparou suas estratégias para recolhimentos das narrativas de vida de cada integrante. Grupos se dividiram no espaço, outros fizeram quase um confessionário com fila de espera, já outros permitiram improvisar em cima do momento e registrar o calor da emoção inesperada, enfim, as estratégias e metodologia ficaram a critério de cada coletivo. Percebo que alguns otimizaram melhor o tempo e conseguiram avançar na decupagem das narrativas e das imagens e já criaram um dialogo com o video. Estou empolgado para ver onde isso vai chegar!
Na segunda parte, voltamos a sala para um trabalho corporal, começando pela preparação do corpo e mente através de alongamentos realizados a partir do proprio peso do corpo e do relaxamento das tensões. Em seguida, trabalhamos em base, criando um arco que toca a terra com o proprio corpo ( a cabeça e tronco pesados a frente, pernas flexionadas e dedos das mãos tocando o chão), e a partir daí, fomos encontrar um campo vibracional no corpo provocados pelas tensões. Encontrado o lugar da vibração, relaxar e reclamar em cima dela através da respiração foi o caminho para retornar ao eixo imbuído de um sentimento pleno de presença. Voltamos as caminhas pelo espaço, primeiramente, sozinho, para que depois cada corpo-individuo se encontrasse com outros formando pequenos coletivos. Mais uma vez, o estímulo da caminhada como identidade do grupo procurou ser mantido, criando unidade através do deslocamento. A escolha dos coletivos se deu na noite anterior, quando a partir dos textos criados no primeiro dia pude perceber interseções entre alguns textos, e busquei criar um diálogo entre os abismos de cada um revelado nas palavras transcritas no dia anterior. Desse processo de intertextualização, surgiram os seguintes textos:

A CURVA QUE TROUXE O VENTO.

Para Potyra e Carol

- Me largaram e nem olharam para trás.

- Estava novamente rodeada por muitos.

- Eu fiquei só...

- Me lembrei do tempo em que andava sozinha.

- Parada...

- Sem fluxo era o meu fluxo...

- A espera do nada...

- Era só onda...

- Eles continuaram seu rumo. A cada passo longe, cresciam, ganhavam força com a distância.

- Procurava fissuras e seguia de encontro a multidão.

- Era só onda...

- Era só onda...

- Até que veio uma curva, e nela, uma alegria...

- uma felicidade instantânea.

- Estão voltando.

- Estamos de volta.

Tudo vem do vento. Para Recy e Alan.

- O vento é único.

- uma massa de ar que corre na direção do nada.

- nada numa corrente...

-correntes que passam...

- de um rio que corre...

- corre junto para um lugar que não existe...

- Existe quando junto.

- Quando junto, é minha memória partilhada. Dói!

- Sou parte de cada um, mas não sou nenhum deles. Caminho só, mas vou junto com eles, lavando meu coração com as lágrimas da partida, porque me levaram junto. Mas, eu fiquei.

Cordão Umbilical

Para Giovana Araújo.

- Cordão umbilical é estar conectado. É ser total no outro. A maternidade é esta conexão para o resto da vida.

- Me cortem esse cordão umbilical. Me joguem um balde de gelo para que possa deixar de me importar com conexões.

- Não há liberdade sozinho. O ar solitário e preso não sente a brisa doce do tempo.

- Meu corpo queima, teima em procurar conexões.

- Respiro em ti, me entrego a ti, sou um pouco mais de mim, em ti.

- Me joguem um balde de gelo!

- Retorno sozinha para dentro de mim, e me junto novamente, sem saber, reunindo os pedaços que se atiraram longe.

O MOMENTO, para Maria Bethânia, Neto Barbosa e Monique Oliveira.

No compasso-não compasso- que o passo vai,

No compasso que vem,

“Tudo” é fio. “Tudo” convexo.

“Tudo” mundo. Todo mundo.

Um universo silencioso e gritante.

Contra ou a favor.

Do olhar dos mínimos que forma “tudo”.

Quanto “tudo” dentro e fora de mim?

E se dentro já for fora? E fora já for mais dentro, ainda?

Memórias...

Pedaços de passado que se fazem presentes.

Nossas marcas.

Em nosso corpo.

E coisas não ditas.

“Tudo ligado como um âmbar elétrico”.

Provocação

No dia 08/02 foram lançadas duas provocações em video: O Brasil Sertanejo (trecho do programa criado a partir do Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro) e Jogo de Cena (filme dirigido por Eduardo Coutinho). A partir das provocações duas frentes de trabalho foram definidas: Memória Social/História Oficial e Histórias de vida. A primeira esta relacionada ao Povo Brasileiro (O brasil sertanejo), onde a partir de uma abordagem histórica e social o programa traça junto com Darcy e outros estudiosos um panorama do nordeste brasileiro. A segunda diz respeito ao filme do Eduardo Coutinho, onde numa sala de teatro atrizes contam histórias de vidas de cidadãs comuns como se fossem suas proprias narrativas de vida, que são intertextualizadas em cena, pelas próprias personagens reais. As provocações resultaram em grupos que se encontraram por afinidade temática:
Memória Social/História Oficial - Grupo Darcy Ribeiro: Titina Medeiros, Alan Chaves, Monique Oliveira, Raniery Souza.
Histórias de Vida -Grupo 1: George Hollanda, Enio Cavalcante, Ana Carolina Marinho, Giovanna Araújo, Rodrigo Bico; Grupo 2: Márcia Lohss, Recy Freire, João Paulo Querino, Carolina Pinheiro, Neto Barbosa; Grupo 3: Alex e Cristina Moreno.
Os grupos começaram a recolher narrativas de vida entre os seus integrantes (em video), para que possam ser recriadas pelo outro e remontada em cena, mantendo um diálogo com a matriz recolhida em video. No exercicio a ser apresentado na quinta-feira (último dia), um diálogo entre linguagens será proposto nas cenas, já que os videos recolhidos serão interseccionados coma cena.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A oficina começou ontem dia 08/02. O primeiro dia de trabalho se dividiu em dois momentos. Na primeira parte, a partir de estímulos físicos (música) e pelo deslocamento no espaço, o grupo foi estimulado a perceber o corpo enquanto materialidade da memória. Um corpo sozinho, umahistória de vida. Um corpo de encontro ao outro, um corpo social, uma memória compartilhada. O trabalho em grupo, através dos deslocamentos propostos tinham como identidade a caminhada, seu ritmo e pulsar internos ao grupo. A partir desse estímulo, os participantes foram estimulados a criação de textos poéticos que retratassem a experiência vivida. Seguem alguns textos:

Visão embaçada.
O cardume ia junto sem pensar para onde, mas por quê?
O porquê ele parecia saber, sem ter porques.
Era um depressa devagar ou um devagar depressa?
Visão desfocada.
O movimento do cardume parecia paralizado.
Ele ia indo, por dentro da chuva, ao encontro de...
Ele ia indo porque sabia que...
Por dentro da sala ia percebendo que...
Era um cardume.
Nada mais.

Ana Carolina Marinho

O MOMENTO

No compasso -não compasso - que o passo vai
No compasso que vem,
"Tudo " é fio. "Tudo" conexo.
"Tudo" mundo. Todo mundo.
Um universo silencioso e gritante.
Contra ou a favor.
Do olhar dos mínimos que forma o "tudo".
Quanto "tudo" dentro e fora de mim?
E se dentro já for fora? E fora já for mais dentro?
Memórias ou simples estar.
Coisas não ditas.
"Tudo ligado como um âmbar elétrico."

Autor desconhecido.

E a noite que chegava não era tão bonita quanto aquele fim de tarde... Olho saboreava as cores e salivava a cada tom. Todos os sentidos reunidos, fragmentar seria declarar decomposição.

Autor desconhecido

... e no fim, o prazer da partida, sentida e necessária, partida sábia, de desapegos em alinhos. Partidas para alinhar o tempo das coisas. Sou eu e todos eles.

Titina Medeiros.

Não há liberdade sozinho
o ar solitário e preso
Não sente a brisa doce do tempo.
Respiro no outro,
Me entrego ao outro,
sou o outro.
E então, enfim, livre!

Enio Cavalcante.

Mais textos virão...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

ATOR-DRAMATURGO, A MEMÓRIA EM NARRATIVA

Nos dias 08 a 11/02/2010 começam os núcleos de pesquisa do projeto INVENTÁRIO. A primeira atividade dos núcleos de pesquisa é a realização do estudo prático e teórico sobre o papel do ator na construção da dramaturgia. A partir de narrativas, videos e textos filosóficos em conflito com a dramaturgia pessoal de cada um, essa perspectiva de trabalho, propõe ao ator sua inserção no processo de construção da dramaturgia, entendo-a como os elementos constituintes da construção da cena. Este INVENTÀRIO propõe um ator que se inscreve, escreve e se insere na obra de arte, por ele ser parte integrante , pensante e pulsante dela.

Artista-Orientador: João Júnior.

Periodo: 08 a 11/02/2010.

Hora: 18:30 as 22:30 hs.

Local: Sede do Facetas, Mutretas e outras Histórias