Um atrito se apresenta nesta reta final. Como transformar em métafora o corpo juntamente com a imagem? Como atritar a palavra proferida com o corpo em desalinho? Trazer a tona a experiencia da cidade dentro de mim. A experiencia do dia a dia de operário da poesia a olhar o metrô, os transeuntes, o trem, os centros da zona leste, o leste-oeste dentro de mim, o nordeste que vive aqui, os ruídos do mp4 que me auxilia nos labirintos que crio para abrigar os minotauros que alimento são motes para o desenho/não desenho deste corpo no espaço. Um corpo em ruído de criação e expansão. Um corpo dilacerado pela experiencia da migração. Um corpo destruído/reconstruído...
Bachelard me conforta:
Quando a insônia, mal dos filosófos, aumenta devido ao nervosismo causado pelos ruídos da cidade, quando, na Praça Maubert, tarde da noite, os autmóveis roncam e o barulho dos caminhões me faz maldizer meu destino de citadino, consigo ver paz vivendo as metáforas do oceano. Sabe-se que a cidade é um mar barulhento; já se disse muitas vezes que Paris faz ouvir, no meio da noite, o murmúrio incessante das ondas e das marés. Com essa banalidade, construo uma imagem sincera, uma imagem que é minha, tão minha como se eu mesmo a tivesse inventado, seguindo minha doce mania de acreditar que sempre sou o sujeito do que penso. Quando o barulho dos carros se torna mais agressivo, esforço-me para ver nele a voz do trovão, de um trovão que me fala, que ralha comigo. E tenho piedade de mim mesmo. Eis, pois o pobre filosófo de novo na tempestade, nas tempestades da vida! Faço devaneio abstrato-concreto. Meu divã é um barco perdido nas ondas; esse silvo súbito é o vento nas velas. O ar em fúria buzina de toda parte. E falo comigo mesmo para me reconfortar: vê, tua embarcação é resistente, estás em segurança em teu barco de pedra. Dorme, apesar da tempestade. Dorme na tempestade. Dorme em tua coragem, feliz por ser um homem assaltado pelas ondas.
E eu durmo, embalado, pelos ruídos de Paris.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. p. 46.
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