segunda-feira, 26 de julho de 2010
Primeiro risco cênico - do lado de dentro.
Imagens do primeiro risco cênico ocorrido em Natal/RN na sede do Grupo Facetas, Mutretas e outras histórias, durante o evento Gambiarra no mês de junho deste ano. A ideia do experimento era a de investigar o espaço cênico a partir da experiencia vivenciada por mim na primeira entrevista feita com Sebastião de Lima, porteiro e zelador de um condominio em Santa Cecília, São Paulo/SP no mês de maio de 2010. Nesse sentido, a ressignificação do espaço simbólico da entrevista fazia-se necessário dentro de um processo onde os conteúdos narrativos da vida do Sebastião estavam imbricados na fragmentação do seu discurso falado, da relação de poder mantida pela câmera ligada no seu local de trabalho, na próprio desconforto de se sentir invadido naquele não-lugar onde ele passa o dia inteiro. Uma relação de poder estava estabelecida e do lado de cá, eu era o detentor de duas armas poderosas: uma câmera e uma ideia pre-concebida de projeto de vida/artista. Foda-se! Fui implodido pela experiencia, massacrado pelos meus preconceitos... Sebastião, resistiu! E nisso, me mostrou a força que possui os bardos dos migrantes. Seguem imagens do depoimento artistico que transformei esta experiencia. Em breve, seguiram postagens em video.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Um ator migrante
No mês de março cursei uma disciplina na pós-graduação da USP chamada Teatralidades Textuais não dramáticas: lugares de luta na dramaturgia contemporânea, ministrada pelo professor da UDESC Stephan Baumgartel. A idéia de cursar esta disciplina se dá pelo desejo de transformar este projeto, ou parte dele, num projeto de mestrado. Tanto tempo longe da universidade, desde que me formei em 2005, precisava ir voltando para jogar luz sobre este desejo. Bem, inocentemente, fui cursar esta disciplina que tinha como resultado a criação de um artigo cientifico, bom não criei um artigo, ou melhor consegui fazer um ensaio de um, pelo menos, mas enfim, é verdadeiro. Tem a primeira ideia de sistematização desse projeto e das descobertas no inicio dessa investigação. Segue o texto abaixo, com as correções e observações do professor.
Um ator migrante: o deslocamento de uma visão dramática para um olhar performativo.
João Batista Ferreira Júnior
"Com seus pássaros
Ou a lembrança dos seus pássaros
Com seus filhos
Ou a lembrança dos seus filhos
Com seu povo
Ou a lembrança do seu povo
Todos emigram
De uma pátria a outra do templo
De uma pátria a outra do Atlântico
De uma serra a outra das cordilheiras
Todos emigram
Para o corpo de Berenice
Ou o coração wall street
Para o último tempo
Ou a primeira dose de tóxico
Para dentro de si
Ou para todos
Para dentro de si
Ou para todos
Para sempre todos emigram"
(“O canto do emigrante”, Alberto Cunha de Melo.)
1. O INICIO DA VIAGEM, o processo migratório como dramaturgia pessoal do ator.
O poema de Alberto Cunha de Melo revela a condição humana de emigrante, seja no campo geográfico, no que diz respeito ao deslocamento do lugar de origem para outro lugar onde se acredita encontrar o destino de suas realizações, seja no campo da subjetividade, no rompimento do momento presente em função da construção do futuro almejado, enquanto individuo. “O migrante é um ser deslocado, movido de seu lugar primevo onde nesse deslocamento encontra-se sentido para esta condição” (MARANDOLLA JR & DAL GALLO 2009, p. 01).
A necessidade de trans-migração dos conflitos vividos pelo deslocamento territorial registrados na história de vida presente na dramaturgia pessoal do ator proponente da pesquisa do projeto Inventário, parte do entendimento de que o fenômeno migratório possui implicações geográficas e existenciais, onde tal necessidade reverbera na construção de um discurso poético onde a migração e suas implicações resultem na construção de uma dramaturgia escrita instalada no espaço acerca desse deslocamento. Assim, nasce na memória individual do ator a idéia de migração de uma experiência subjetiva para a criação de um projeto artístico que reverbere as vozes que ecoam na experiência da ruptura territorial com o lugar de origem. Hm, tenho dificuldades de seguir a sua argumentação, parece linguagem de projetos para editais!
Os estudos da memória ocupam um vasto campo de visão (antropológica, historiográfica, sociológica, etc), mas no que interessa a presente pesquisa é a idéia de que “a memória é sempre uma construção feita no presente a partir de vivências/experiências ocorridas no passado” (KESSEL,2003, p. 02). Nesse sentido, as lembranças carregadas pelo individuo em interação com a sociedade tornaram-se material de pesquisa para a construção de uma dramaturgia pautada no recolhimento de histórias de vida de migrantes, poesias, textos ficcionais, depoimentos pessoais e videodocumentais, no afã de dialogar as particularidades da memória individual presente na experiência particular de migração contida na dramaturgia pessoal do ator com as múltiplas vozes que caracterizam a memória coletiva dos migrantes nordestinos radicados na cidade de São Paulo . Transpor o particular para o coletivo, do público para o privado. Ok, as últimas frases foram bem claras.
2. “QUE NORDESTE É ESSE QUE VIVE EM SÃO PAULO?”, recolhendo histórias de vida.
O ponto de partida para a construção da pesquisa acerca da dramaturgia encontra-se no recolhimento de narrativas de vida de nordestinos que moram na cidade de São Paulo, no intuito de responder ao seguinte questionamento: “Que Nordeste é esse que vive em São Paulo?”.
A abstração e amplidão do campo de pesquisa se tornaram um entrave no desenvolvimento do processo. Era preciso um canal mais potente de escoamento das lembranças para a criação de uma tessitura coletiva de narrativas de vida. Esse canal foi encontrado numa verticalização do campo de pesquisa do projeto, onde uma definição mais especifica deste, tornou-se a metáfora necessária para dar vazão as lembranças e construção de uma memória coletiva do grupo de migrantes entrevistados. No caso, porteiros de prédios e condomínios da cidade de São Paulo. Através da metáfora encontrada na profissão, está sendo possível um mapeamento de sensações, situações, lembranças e desejos intrínsecos a condição de migrante, que encontra no silêncio provocado pelo cotidiano de trabalho e na invisibilidade da profissão um espaço fecundo para o mergulho nas lembranças. Nas madrugadas silenciosas e no cotidiano de trabalho onde o porteiro é o responsável pela abertura de um espaço privado para o público, o guardião de um lugar de passagem e deslocamentos diários, a memória é revisitada. A terra de origem se faz presente nas lembranças, o diálogo interno se estabelece. Segundo Haesbert,
... mesmo na condição de migrante, ele não tem certeza se um dia saiu da sua terra, e a dúvida do ficar ou partir é atroz, ao ponto de, no processo de mudança, ele ao mesmo tempo se perguntar se não teria ficado “morto por lá”. Este “levar a terra consigo” ou “ficar (simbolicamente) na terra de origem” envolve todo um questionamento muito pertinente num mundo de extrema mobilidade, de novos nômades, grandes diásporas migrantes, e ao mesmo tempo, de novos/velhos enraizamentos, de defensores ardorosos de seus antigos territórios. (HAESBERT, 1999:1).
No contato com os porteiros a condição de migrante se apresenta em crise com a ocupação do território, e assim, a questão da identidade ocupa o centro das discussões da pesquisa através da memória. Nas narrativas orais dos porteiros é perceptível a crise gerada pela ruptura territorial, e o sonho transforma-se em pesadelo real no contato com uma realidade excludente no processo de inserção no espaço escolhido para viver, onde “a primazia das relações e dos valores sociais está vinculada à acumulação de capital” (HAESBERT, 1999, p.170). Segundo Priscila Marchiori Dal Gallo & Eduardo Marandola Jr.,
Esta mercantilização das relações contemporâneas, onde o processo de desterritorialização original iniciado pelo movimento migratório se dá, em termos existenciais, pela saída do lugar-natal, o que implica deixar os lugares de infância, juventude ou idade adulta, responsáveis pela nossa formação enquanto pessoa e sob os quais está edificada nossa identidade.
É por isso que a desestabilização da ligação essencial do ser com o lugar causa um abalo na segurança existencial e identidade territorial do migrante, que tem de enfrentar um desencaixe espacial. Isso o torna suscetível à angústia e ansiedade, impondo a necessidade de enraizar-se no lugar de destino. A segurança existencial e a identidade do sujeito dependem de que ele estabeleça e cultive laços com o lugar, envolvendo-se com ele (MARANDOLA JR., 2008a). (DAL GALLO & MARANDOLA JR, 2009:3)
Nesse sentido, a insegurança existencial gerada por esta ruptura tem como reação o isolamento e a criação de estratégias de vinculo ao território ocupado que não promovem um sentimento de pertencimento. Estas experiências mostram que o fenômeno migratório possui implicações territoriais e existenciais, onde o enfrentamento provocado pelo desencaixe espacial gera angústia e ansiedade, no processo de filiação territorial. Assim, territorializar-se torna-se um mecanismo de proteção da segurança existencial.
Nas tensões geradas por esta escolha se dá o território de edificação desta pesquisa em dramaturgia. Na memória coletiva dos migrantes nordestinos e na solidão das portarias dos condomínios, ergue-se na dramaturgia pessoal do ator um projeto artístico. Um olhar poético sobre esta experiência pessoal torna-se um procedimento de territorialização, visto que nasce da memória individual de migrante, e mais especificadamente, na história de vida contida na dramaturgia pessoal do ator através do seu próprio processo de desterritorialização. Ok, mas dado o título deste trabalho, sinto falta de um elo retórico com a questão do performativo. O que vc coloca aqui poderia ser muito bem preparação para um trabalho de mimese corporal!
3. A ARTE DO CONTATO, um embate dialético.
O recolhimento das narrativas de vida dos porteiros migrantes do nordeste se dá através do registro em vídeo de uma conversa informal entre ator-migrante e porteiro-migrante. O estabelecimento do contato com os porteiros acontece no decorrer do tempo com a intimidade criada, gerando confiança no projeto para que possam abrir os seus “baús”.
O roteiro para as entrevistas se estabelece no contato, no entanto, algumas perguntas são detonadores para que ambos possam submergir na experiência da memória: “Qual a cidade natal? Como era a cidade quando criança? Como era a vida na cidade de origem? Por que saiu de lá? Por que escolheu São Paulo? Como foi a viagem até aqui? O que pensava durante a viagem? Qual a primeira impressão de São Paulo?. As respostas vêem seguida, geralmente, de uma pausa, um silêncio que grita e salta os olhos de quem as ouve no olhar, e geram, em alguns casos um turbilhão de acontecimentos narrados e em outros um conflito com o passado onde a não articulação da memória, se estabelece na fragmentação do discurso falado. Instaura-se um lugar de conflito gerado por este encontro. Ouvir torna-se um labor indispensável a esta pesquisa.
Tornou-se necessário, de fato, o mergulho na experiência objetiva gerada pela palavra, para que se destruísse um sentimento de manipulação dos caminhos percorridos nas lembranças alheias em detrimento do desejo criativo do projeto. Entrar em contato com o mundo interior do outro é um mergulho na própria existência através da linguagem. Nesse sentido, o “não agir” é algo fundamental para o desenlace das narrativas, dos fatos narrados, das lembranças, onde a escuta torna-se o melhor adubo para o terreno das sensações, do imaginário e das lembranças a serem colhidas. O encontro com o outro é também um defrontar-se consigo.
4. A ESCUTA QUE CONSTRÓI UM NOVO OLHAR, a performatividade do texto verbal.
A escuta torna-se um processo em construção, no qual os encontros com a forma e o conteúdo das narrativas geram diferentes sensações no corpo de quem as recebe. O desejo criativo de que as narrativas possuíssem um desenlace, uma construção organizada no tempo e espaço, na articulação dos personagens que fazem parte da memória do entrevistado através das relações geradas no aspecto intraficcional das narrativas, é fruto de uma concepção dramática já pré-estabelecida para a construção dessa dramaturgia. Nesse sentido, entende-se o drama através de uma visão teatral onde,
O teatro é pensado tacitamente como teatro do drama. Incluem-se entre seus fatores teóricos conscientes as categorias “imitação” e “ação”, assim como a concomitância quase que automática das duas categorias. Pode-se destacar como tema inconsciente, associado à compreensão teatral clássica, a tentativa de forma ou fortalecer por meio do teatro um contexto social, uma comunidade que una emocional e mentalmente o público e o palco.” (LEHMANN, 2007).
Uma visão dramática acerca da dramaturgia é abalada. Instaura-se uma crise: a ruptura de um aspecto performativo das narrativas subordinado ao drama. Nesse contexto, a observação diante da própria situação dramática gerada pelas entrevistas, onde se estabelece um diálogo que tem como fim a resolução de conflitos entre os “personagens reais” daquela situação (entrevista) através de uma troca verbal. O entendimento da palavra proferida sem conexões de tempo e espaço, a fragmentação de acontecimentos, os comentários do narrador diante das situações dramáticas apresentadas, conduzem o processo de entrevista a uma reflexão sobre a linguagem preterida. Um meta-processo se estabelece no intuito de destruir as próprias concepções acerca do processo e da linguagem. O entendimento das narrativas enquanto presentificação, e não como representação, arremessam as entrevistas para a performatividade da fala. Hm, isso são afirmações que vc não fundamenta através de uma análise de um processo de entrevista. Também há de se perguntar como este aspecto performativo sobrevive a codificação das entrevistas em “espetáulo” Segundo Novarina,
Falar não é comunicar. Falar não é trocar nem fazer escambo – das idéias, dos objetos -, falar não é se exprimir, designar, esticar uma cabeça tagarela na direção das coisas, dublar o mundo com um eco, um sombra falada; falar é antes abrir a boca e atacar o mundo com ela, saber morder. O mundo é por nós furado, revirado, mudado ao falar. Tudo o que pretende estar aqui como um real aparente pode ser por nós subtraído ao falar. As palavras não vêm mostrar coisas, dar-lhes lugar, agradecer-lhes educadamente por estarem aqui, mas antes parti-las e derrubá-las. “A língua é o chicote do ar”, dizia Alcuíno; ela é também o chicote do mundo que ela designa.
A palavra de acordo com Novarina é predecessora da linguagem, contém em sim uma potência interior, praticamente mística, visto que ela “existe em nós, fora de qualquer troca, fora das coisas, e até fora de nós” (NOVARINA, 1999). Engraçado que vc cita Novarina cuja linguagem altamente formalizada é tão distante da linguagem oral de memórias pessoais. Nesse embate dialético, desmorona-se os estudos da memória acerca da elaboração do projeto estético, visto que para a memória um dos elementos mais importantes, que afirmam o seu caráter social é a linguagem. Lembrar e narrar se constituem da linguagem. Como diz Ecléa Bosi a linguagem é o instrumento socializador da memória, pois reduz, unifica e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural vivências tão diversas, como o sonho, as lembranças e as experiências recentes (KESSEL, 2002).
Os fatos narrados e seus conteúdos se equivalem em importância quanto à forma de contá-los. A recepção das narrativas é interpelada pela forma não linear com que elas são feitas. O papel de condutor da entrevista é transposto, e o narrador torna-se o guia de suas próprias necessidades. A situação presencial das entrevistas transforma-se em conteúdo investigativo quanto à construção da dramaturgia. Nesse aspecto, a palavra contada edificada no âmago das lembranças dos entrevistados, se torna um exercício político ao percorrer o tempo e confrontar-se com o presente num embate com a experiência de ser migrante, onde muitas vezes, o retorno a terra de origem através da memória torna-se catártico, no sentido de uma profusão de lembranças, sensações e sentimentos que não possuem uma trajetória linear.
O contato com o texto verbal, desloca o papel de investigador de conteúdos para a pesquisa acerca da linguagem, e a forma do que é narrado problematiza a formulação dramática entre individuo, ação e diálogo, sendo o interlocutor-entrevistador-espectador um co-ator da experiência alheia, tornando aquela uma experiência própria, a partir do momento que se promove uma intervenção, um chamamento as forças libidinais, emocionais e sociais que constituem o individuo-receptor-pesquisador-ator daquela situação.
A situação representacional das entrevistas, torna-se um campo de pesquisa para a situação representacional a ser criada através da encenação a ser desenvolvida. O resultado de um espetáculo se dissolve no cotidiano do processo de sua construção, tornando o momento do contato com o público parte integrante do processo, e não mais, o fim da linha. O abrir de novas portas. O abrigo de novos olhares. A idéia de encenação é discutida a partir da experiência da recepção proporcionada pelas entrevistas, a interpelação gerada pelas narrativas, desloca o lugar de ator-entrevistador para outros espaços acerca desta pesquisa onde outros territórios precisam ser ocupados pelo ator: o dramaturgo, o encenador, o cenógrafo, enfim, um pensador e criador da experiência pretendida com esta pesquisa em sua amplitude acerca do fenômeno teatral. A experiência do ouvir tornou-se um pensar a cena e a construção da dramaturgia a partir das sensações provocadas pelo encontro com a palavra do depoente. O texto verbal se torna um caminho para a construção de uma dramaturgia onde as vozes dos “migrantes da portaria” ecoem junto a múltiplas vozes, onde o espectador a ser seduzido por este processo-espetáculo seja interpelado em suas forças interiores primitivas, em seus preconceitos, em sua racionalidade, assim como o ator foi convocado interiormente no recolhimento de seu material dramatúrgico através dos diálogos-entrevistas.
A transposição da situação gerada no processo de entrevista para uma situação representacional, onde o aspecto performativo mostrou-se um eco dentro da criação do fenômeno teatral pretendido com o projeto, revirou o entendimento acerca da pesquisa. A destruição de um olhar sobre o processo, com ênfase nos aspectos dramáticos que a cena a ser desenvolvida possa ter, se dá na experiência do próprio processo. Assim, a subjetividade artística, antropocêntrica, é destruída no embate com a linguagem. A experiência gerada pelas entrevistas tornou-se um procedimento para pensar o espaço a ser instalado o texto. No texto verbal criado através das narrativas dos porteiros, foi criado um espaço onde as qualidades corporais, espaciais e temporais da fala do discurso gerou um pensar a encenação como instalação.
O teatro enquanto meio de encenação (da forma dramática) tem como tarefa levar o representado à cena e desaparecer nesta encenação – o teatro enquanto uma situação de instalação, entretanto, torna perceptível o próprio ato da percepção e da recepção. Aqui, o enquadramento é focado e isso faz com que a função poética da língua [...] seja enfatizada em detrimento da sua função denotativa. [...] A instalação da linguagem verbal, seu enquadramento ostensivo, sua exposição ou desemantização, ataca sua função mimética representacional e denotativa, e direciona a língua de modo auto-reflexo para o lugar da fala. A língua enquadrada desta forma segue menos uma ordem semântica do que a dinâmica de uma composição cênica, visual e sonora [para] criar um espaço imaginário que é um espaço criado por vetores energéticos. Um aspecto desta nova concepção de espaço é a idéia de trabalhar com [a exposição das] dimensões corporais, espaciais e temporais da língua. (STRICKER, p. 60).
O olhar estético sobre a representação da cena processual das entrevistas, deu luz a construção de uma dramaturgia que na diversificação de seus processos construtivos, onde depoimentos pessoais, poesia, vídeos-documentais e escrita pessoal servem de detonadores de antigos modos de produção. A percepção do encontro com os porteiros durante seus depoimentos gerou no cerne do processo um olhar dilatado sobre o signo teatral. A construção de um olhar não-dramático sobre a cena, encontrando-se na idéia de teatro pós-dramático a construção dessa pesquisa, torna-se objeto de desejo, um devir necessário a transposição situacional da entrevista para a cena, desta experiência para o espectador. Segundo Silvia Fernandes (2006), em seu resumo crítico sobre o Livro Teatro Pós-Dramático, de Hans-Thies Lehmann citado por Baumgartel (2009, p. 129),
Para Lehmann, o teatro pós-dramático não é apenas um novo tipo de escritura cênica. É um modo novo de utilização dos significantes no teatro, que exige mais presença que representação, mais experiência partilhada que transmitida, mais processo que resultado, mais manifestação que significação, mais impulso de energia que informação.
A reverberação do encontro no campo energético criado entre locutor e interlocutor durante o diálogo registrado em vídeo, se enquadra perfeitamente?? Será que não há uma tensão aqui entre o uso do vida e o encontro presencial no teatro? na idéia de evocação do espectador como co-autor da cena no teatro pós-dramático. O distanciamento dos conteúdos presentes na narrativa, em detrimento da manifestação da forma narrativa utilizada pelos porteiros através do texto verbal e o contato com a câmera em ação no ato do registro do processo, se tornou um exercício de manifestação daquela situação, de evocação das forças internas do interlocutor, um exercício de presentificação, muito mais do que o registro de histórias de vida que pudessem servir a construção de uma dramaturgia pautada nos aspectos dramáticos.
O espaço das entrevistas tornou-se espaço simbólico para pensar a cena e a fruição da dramaturgia, bem como a sua construção, pois ele evocou uma nova percepção acerca da pesquisa, onde a forma, registrada no contato com o outro, torna-se elemento avassalador diante dos conteúdos pesquisados. Um contato com a forma narrativa utilizada pelos porteiros, e sua diversificação, provocou a busca pela criação de “espaços experimentais para percepções não-habituais, porque possibilitam uma nova consciência da situação que o teatro significava, desde já, enquanto prática teatral: o acontecimento de um encontro entre pessoas que apresentam algo e pessoas que assistem algo” (PRIMAVESI, in: ARNOLD, 2004: 9). É, mas o vídeo indica um mediador, alguém cria uma imagem para nós, enquanto no teatro a minha liberdade de olhar é muito maior!
5. MIGRAÇÕES INTERNAS, do representacional ao performativo.
Uma nova visão acerca deste trabalho ergueu-se a partir de um processo de desterritorialização da prática artística e da pesquisa pré-concebida, a partir da desconstrução de uma idéia de identidade. Assim, a prática do ator dentro desta pesquisa torna-se um exercício político na migração dos conteúdos que formam o entendimento de ator neste processo vida/artístico. A migração interna se estabelece como potência reconstrutora da prática artística. Um nomadismo de saberes, experiências e percepção realiza no cerne deste Inventário o surgimento de um “ator nômade”, consciente de sua condição migratória de vida, onde a experiência da inércia artística dá vazão ao movimento. Segundo Maria Cristina da Silva Pereira,
Entendemos por “ator nômade”, o ator que atua na sociedade operando sua criação e construção cênica a partir da desconstrução de uma noção fixa de identidade. Sendo a noção fixa de identidade a que nos referimos àquela que centraliza e asfixia todo e qualquer diálogo com a diferença. Bom poderíamos alertar também ao perigo de diluir, junto com as identidades fixas, as relações de poder! Tudo depende da contextualização que frisa as energias (e as propostas de sociabilidades) que fixam e outras que dinamizam as identidades.
De acordo com os estudos culturais de Stuart Hall: “As identidades, concebidas como estabelecidas e estáveis, estão naufragando nos rochedos de uma diferenciação que prolifera”(HALL, 2005: 44). Entendemos então que o ator tem uma função não só artística, mas também social de extrema importância tanto na construção como na desconstrução de suas práticas e reflexões poéticas, que direta ou indiretamente terminam influenciando o comportamento social e de sua arte enquanto forma de revelação e manifestação simbólica.(PEREIRA, 2008:2)
Dessa forma, na conscientização do papel social do ator a partir das migrações internas de seu processo de construção, destruição e reconstrução artística, apresenta-se o dissolvimento de idéias pré-concebidas acerca do teatro, pautada nos aspectos dramáticos do teatro, no que diz respeito a uma teoria do drama, onde o mover-se nos conteúdos e experiências torna-se um lugar de luta entre o passado e o futuro. O presente manifesta-se no conflito deste processo de territorialização dentro de si mesmo. A pesquisa em teatro proposta neste projeto transmigra-se para uma visão acerca da própria pesquisa da linguagem para o processo de formação de uma identidade em constante processo de construção, coerente com o mundo contemporâneo, onde novas diásporas migrantes se dão a partir do rebelar-se contra o próprio aprisionamento a conteúdos que não mais respondem ao mover-se no tempo/espaço tão característicos da condição de existência do homem contemporâneo. O nomadismo torna-se um ato de resistência, um ato de rebelia contra uma formação artística centrada numa visão antropocêntrica acerca do teatro.
Entre você e o mundo, prefira o mundo.
Franz Kafka.
Bom, João, acho que vc tem um material muito rico! Agora, mas transformar o seu ‘projeto’ em um artigo um pouco mais acadêmico e analítico, vc precisa evitar generalizações. Tem que ser mais específico e fazer algo que chamamos “estudo de caso”. Para isso, não basta falar de modo geral. É preciso elaborar uns paradigmas de análise, aplicá-los ao seu estudo de caso, e depois problematizar os resultados. Entendeu? Mas independente disso, acho a proposta muito interessante. Espero que vc consiga apoio para criar um trabalho teatral!
Nota: A
Referencias Bibliográficas
BAUMGARTEL, Stephan Arnulf. Um teatro contemporâneo como laboratório da fantasia social: alguns apontamentos acerca do teatro chamado pós-dramático. In: Urdimento. n, 09, Santa Catarina: Udesc, 2007.
GALLO, Priscila Marchiori D. & MARANDOLA Jr, Eduardo. Ser Migrante: Implicações territoriais e existenciais da migração. In: VI Encontro Nacional sobre Migrações. Belo Horizonte, 2002.
HAESBAERT, Rogério. Identidades Territoriais. In: CORRÊA, Roberto Lobato & ROSENTHAL, Zeny (org). Geografia Cultural: Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.
KESSEL, Zilda. Memória e Memória Coletiva.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: CosaicNaify, 2007.
LIMA, Wlad. Dramaturgia Pessoal do Ator. Pará: 2005.
NOVARINA, Valére. Diante da Palavra. In: Revista Folhetim, n.15,RJ: Funarte/Teatro do Pequeno Gesto, 2002.
PEREIRA, Maria Cristina da Silva. Ator Nômade: Saberes Órfãos. In: Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE), 5, 2008, Belo Horizonte. Anais...
Um ator migrante: o deslocamento de uma visão dramática para um olhar performativo.
João Batista Ferreira Júnior
"Com seus pássaros
Ou a lembrança dos seus pássaros
Com seus filhos
Ou a lembrança dos seus filhos
Com seu povo
Ou a lembrança do seu povo
Todos emigram
De uma pátria a outra do templo
De uma pátria a outra do Atlântico
De uma serra a outra das cordilheiras
Todos emigram
Para o corpo de Berenice
Ou o coração wall street
Para o último tempo
Ou a primeira dose de tóxico
Para dentro de si
Ou para todos
Para dentro de si
Ou para todos
Para sempre todos emigram"
(“O canto do emigrante”, Alberto Cunha de Melo.)
1. O INICIO DA VIAGEM, o processo migratório como dramaturgia pessoal do ator.
O poema de Alberto Cunha de Melo revela a condição humana de emigrante, seja no campo geográfico, no que diz respeito ao deslocamento do lugar de origem para outro lugar onde se acredita encontrar o destino de suas realizações, seja no campo da subjetividade, no rompimento do momento presente em função da construção do futuro almejado, enquanto individuo. “O migrante é um ser deslocado, movido de seu lugar primevo onde nesse deslocamento encontra-se sentido para esta condição” (MARANDOLLA JR & DAL GALLO 2009, p. 01).
A necessidade de trans-migração dos conflitos vividos pelo deslocamento territorial registrados na história de vida presente na dramaturgia pessoal do ator proponente da pesquisa do projeto Inventário, parte do entendimento de que o fenômeno migratório possui implicações geográficas e existenciais, onde tal necessidade reverbera na construção de um discurso poético onde a migração e suas implicações resultem na construção de uma dramaturgia escrita instalada no espaço acerca desse deslocamento. Assim, nasce na memória individual do ator a idéia de migração de uma experiência subjetiva para a criação de um projeto artístico que reverbere as vozes que ecoam na experiência da ruptura territorial com o lugar de origem. Hm, tenho dificuldades de seguir a sua argumentação, parece linguagem de projetos para editais!
Os estudos da memória ocupam um vasto campo de visão (antropológica, historiográfica, sociológica, etc), mas no que interessa a presente pesquisa é a idéia de que “a memória é sempre uma construção feita no presente a partir de vivências/experiências ocorridas no passado” (KESSEL,2003, p. 02). Nesse sentido, as lembranças carregadas pelo individuo em interação com a sociedade tornaram-se material de pesquisa para a construção de uma dramaturgia pautada no recolhimento de histórias de vida de migrantes, poesias, textos ficcionais, depoimentos pessoais e videodocumentais, no afã de dialogar as particularidades da memória individual presente na experiência particular de migração contida na dramaturgia pessoal do ator com as múltiplas vozes que caracterizam a memória coletiva dos migrantes nordestinos radicados na cidade de São Paulo . Transpor o particular para o coletivo, do público para o privado. Ok, as últimas frases foram bem claras.
2. “QUE NORDESTE É ESSE QUE VIVE EM SÃO PAULO?”, recolhendo histórias de vida.
O ponto de partida para a construção da pesquisa acerca da dramaturgia encontra-se no recolhimento de narrativas de vida de nordestinos que moram na cidade de São Paulo, no intuito de responder ao seguinte questionamento: “Que Nordeste é esse que vive em São Paulo?”.
A abstração e amplidão do campo de pesquisa se tornaram um entrave no desenvolvimento do processo. Era preciso um canal mais potente de escoamento das lembranças para a criação de uma tessitura coletiva de narrativas de vida. Esse canal foi encontrado numa verticalização do campo de pesquisa do projeto, onde uma definição mais especifica deste, tornou-se a metáfora necessária para dar vazão as lembranças e construção de uma memória coletiva do grupo de migrantes entrevistados. No caso, porteiros de prédios e condomínios da cidade de São Paulo. Através da metáfora encontrada na profissão, está sendo possível um mapeamento de sensações, situações, lembranças e desejos intrínsecos a condição de migrante, que encontra no silêncio provocado pelo cotidiano de trabalho e na invisibilidade da profissão um espaço fecundo para o mergulho nas lembranças. Nas madrugadas silenciosas e no cotidiano de trabalho onde o porteiro é o responsável pela abertura de um espaço privado para o público, o guardião de um lugar de passagem e deslocamentos diários, a memória é revisitada. A terra de origem se faz presente nas lembranças, o diálogo interno se estabelece. Segundo Haesbert,
... mesmo na condição de migrante, ele não tem certeza se um dia saiu da sua terra, e a dúvida do ficar ou partir é atroz, ao ponto de, no processo de mudança, ele ao mesmo tempo se perguntar se não teria ficado “morto por lá”. Este “levar a terra consigo” ou “ficar (simbolicamente) na terra de origem” envolve todo um questionamento muito pertinente num mundo de extrema mobilidade, de novos nômades, grandes diásporas migrantes, e ao mesmo tempo, de novos/velhos enraizamentos, de defensores ardorosos de seus antigos territórios. (HAESBERT, 1999:1).
No contato com os porteiros a condição de migrante se apresenta em crise com a ocupação do território, e assim, a questão da identidade ocupa o centro das discussões da pesquisa através da memória. Nas narrativas orais dos porteiros é perceptível a crise gerada pela ruptura territorial, e o sonho transforma-se em pesadelo real no contato com uma realidade excludente no processo de inserção no espaço escolhido para viver, onde “a primazia das relações e dos valores sociais está vinculada à acumulação de capital” (HAESBERT, 1999, p.170). Segundo Priscila Marchiori Dal Gallo & Eduardo Marandola Jr.,
Esta mercantilização das relações contemporâneas, onde o processo de desterritorialização original iniciado pelo movimento migratório se dá, em termos existenciais, pela saída do lugar-natal, o que implica deixar os lugares de infância, juventude ou idade adulta, responsáveis pela nossa formação enquanto pessoa e sob os quais está edificada nossa identidade.
É por isso que a desestabilização da ligação essencial do ser com o lugar causa um abalo na segurança existencial e identidade territorial do migrante, que tem de enfrentar um desencaixe espacial. Isso o torna suscetível à angústia e ansiedade, impondo a necessidade de enraizar-se no lugar de destino. A segurança existencial e a identidade do sujeito dependem de que ele estabeleça e cultive laços com o lugar, envolvendo-se com ele (MARANDOLA JR., 2008a). (DAL GALLO & MARANDOLA JR, 2009:3)
Nesse sentido, a insegurança existencial gerada por esta ruptura tem como reação o isolamento e a criação de estratégias de vinculo ao território ocupado que não promovem um sentimento de pertencimento. Estas experiências mostram que o fenômeno migratório possui implicações territoriais e existenciais, onde o enfrentamento provocado pelo desencaixe espacial gera angústia e ansiedade, no processo de filiação territorial. Assim, territorializar-se torna-se um mecanismo de proteção da segurança existencial.
Nas tensões geradas por esta escolha se dá o território de edificação desta pesquisa em dramaturgia. Na memória coletiva dos migrantes nordestinos e na solidão das portarias dos condomínios, ergue-se na dramaturgia pessoal do ator um projeto artístico. Um olhar poético sobre esta experiência pessoal torna-se um procedimento de territorialização, visto que nasce da memória individual de migrante, e mais especificadamente, na história de vida contida na dramaturgia pessoal do ator através do seu próprio processo de desterritorialização. Ok, mas dado o título deste trabalho, sinto falta de um elo retórico com a questão do performativo. O que vc coloca aqui poderia ser muito bem preparação para um trabalho de mimese corporal!
3. A ARTE DO CONTATO, um embate dialético.
O recolhimento das narrativas de vida dos porteiros migrantes do nordeste se dá através do registro em vídeo de uma conversa informal entre ator-migrante e porteiro-migrante. O estabelecimento do contato com os porteiros acontece no decorrer do tempo com a intimidade criada, gerando confiança no projeto para que possam abrir os seus “baús”.
O roteiro para as entrevistas se estabelece no contato, no entanto, algumas perguntas são detonadores para que ambos possam submergir na experiência da memória: “Qual a cidade natal? Como era a cidade quando criança? Como era a vida na cidade de origem? Por que saiu de lá? Por que escolheu São Paulo? Como foi a viagem até aqui? O que pensava durante a viagem? Qual a primeira impressão de São Paulo?. As respostas vêem seguida, geralmente, de uma pausa, um silêncio que grita e salta os olhos de quem as ouve no olhar, e geram, em alguns casos um turbilhão de acontecimentos narrados e em outros um conflito com o passado onde a não articulação da memória, se estabelece na fragmentação do discurso falado. Instaura-se um lugar de conflito gerado por este encontro. Ouvir torna-se um labor indispensável a esta pesquisa.
Tornou-se necessário, de fato, o mergulho na experiência objetiva gerada pela palavra, para que se destruísse um sentimento de manipulação dos caminhos percorridos nas lembranças alheias em detrimento do desejo criativo do projeto. Entrar em contato com o mundo interior do outro é um mergulho na própria existência através da linguagem. Nesse sentido, o “não agir” é algo fundamental para o desenlace das narrativas, dos fatos narrados, das lembranças, onde a escuta torna-se o melhor adubo para o terreno das sensações, do imaginário e das lembranças a serem colhidas. O encontro com o outro é também um defrontar-se consigo.
4. A ESCUTA QUE CONSTRÓI UM NOVO OLHAR, a performatividade do texto verbal.
A escuta torna-se um processo em construção, no qual os encontros com a forma e o conteúdo das narrativas geram diferentes sensações no corpo de quem as recebe. O desejo criativo de que as narrativas possuíssem um desenlace, uma construção organizada no tempo e espaço, na articulação dos personagens que fazem parte da memória do entrevistado através das relações geradas no aspecto intraficcional das narrativas, é fruto de uma concepção dramática já pré-estabelecida para a construção dessa dramaturgia. Nesse sentido, entende-se o drama através de uma visão teatral onde,
O teatro é pensado tacitamente como teatro do drama. Incluem-se entre seus fatores teóricos conscientes as categorias “imitação” e “ação”, assim como a concomitância quase que automática das duas categorias. Pode-se destacar como tema inconsciente, associado à compreensão teatral clássica, a tentativa de forma ou fortalecer por meio do teatro um contexto social, uma comunidade que una emocional e mentalmente o público e o palco.” (LEHMANN, 2007).
Uma visão dramática acerca da dramaturgia é abalada. Instaura-se uma crise: a ruptura de um aspecto performativo das narrativas subordinado ao drama. Nesse contexto, a observação diante da própria situação dramática gerada pelas entrevistas, onde se estabelece um diálogo que tem como fim a resolução de conflitos entre os “personagens reais” daquela situação (entrevista) através de uma troca verbal. O entendimento da palavra proferida sem conexões de tempo e espaço, a fragmentação de acontecimentos, os comentários do narrador diante das situações dramáticas apresentadas, conduzem o processo de entrevista a uma reflexão sobre a linguagem preterida. Um meta-processo se estabelece no intuito de destruir as próprias concepções acerca do processo e da linguagem. O entendimento das narrativas enquanto presentificação, e não como representação, arremessam as entrevistas para a performatividade da fala. Hm, isso são afirmações que vc não fundamenta através de uma análise de um processo de entrevista. Também há de se perguntar como este aspecto performativo sobrevive a codificação das entrevistas em “espetáulo” Segundo Novarina,
Falar não é comunicar. Falar não é trocar nem fazer escambo – das idéias, dos objetos -, falar não é se exprimir, designar, esticar uma cabeça tagarela na direção das coisas, dublar o mundo com um eco, um sombra falada; falar é antes abrir a boca e atacar o mundo com ela, saber morder. O mundo é por nós furado, revirado, mudado ao falar. Tudo o que pretende estar aqui como um real aparente pode ser por nós subtraído ao falar. As palavras não vêm mostrar coisas, dar-lhes lugar, agradecer-lhes educadamente por estarem aqui, mas antes parti-las e derrubá-las. “A língua é o chicote do ar”, dizia Alcuíno; ela é também o chicote do mundo que ela designa.
A palavra de acordo com Novarina é predecessora da linguagem, contém em sim uma potência interior, praticamente mística, visto que ela “existe em nós, fora de qualquer troca, fora das coisas, e até fora de nós” (NOVARINA, 1999). Engraçado que vc cita Novarina cuja linguagem altamente formalizada é tão distante da linguagem oral de memórias pessoais. Nesse embate dialético, desmorona-se os estudos da memória acerca da elaboração do projeto estético, visto que para a memória um dos elementos mais importantes, que afirmam o seu caráter social é a linguagem. Lembrar e narrar se constituem da linguagem. Como diz Ecléa Bosi a linguagem é o instrumento socializador da memória, pois reduz, unifica e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural vivências tão diversas, como o sonho, as lembranças e as experiências recentes (KESSEL, 2002).
Os fatos narrados e seus conteúdos se equivalem em importância quanto à forma de contá-los. A recepção das narrativas é interpelada pela forma não linear com que elas são feitas. O papel de condutor da entrevista é transposto, e o narrador torna-se o guia de suas próprias necessidades. A situação presencial das entrevistas transforma-se em conteúdo investigativo quanto à construção da dramaturgia. Nesse aspecto, a palavra contada edificada no âmago das lembranças dos entrevistados, se torna um exercício político ao percorrer o tempo e confrontar-se com o presente num embate com a experiência de ser migrante, onde muitas vezes, o retorno a terra de origem através da memória torna-se catártico, no sentido de uma profusão de lembranças, sensações e sentimentos que não possuem uma trajetória linear.
O contato com o texto verbal, desloca o papel de investigador de conteúdos para a pesquisa acerca da linguagem, e a forma do que é narrado problematiza a formulação dramática entre individuo, ação e diálogo, sendo o interlocutor-entrevistador-espectador um co-ator da experiência alheia, tornando aquela uma experiência própria, a partir do momento que se promove uma intervenção, um chamamento as forças libidinais, emocionais e sociais que constituem o individuo-receptor-pesquisador-ator daquela situação.
A situação representacional das entrevistas, torna-se um campo de pesquisa para a situação representacional a ser criada através da encenação a ser desenvolvida. O resultado de um espetáculo se dissolve no cotidiano do processo de sua construção, tornando o momento do contato com o público parte integrante do processo, e não mais, o fim da linha. O abrir de novas portas. O abrigo de novos olhares. A idéia de encenação é discutida a partir da experiência da recepção proporcionada pelas entrevistas, a interpelação gerada pelas narrativas, desloca o lugar de ator-entrevistador para outros espaços acerca desta pesquisa onde outros territórios precisam ser ocupados pelo ator: o dramaturgo, o encenador, o cenógrafo, enfim, um pensador e criador da experiência pretendida com esta pesquisa em sua amplitude acerca do fenômeno teatral. A experiência do ouvir tornou-se um pensar a cena e a construção da dramaturgia a partir das sensações provocadas pelo encontro com a palavra do depoente. O texto verbal se torna um caminho para a construção de uma dramaturgia onde as vozes dos “migrantes da portaria” ecoem junto a múltiplas vozes, onde o espectador a ser seduzido por este processo-espetáculo seja interpelado em suas forças interiores primitivas, em seus preconceitos, em sua racionalidade, assim como o ator foi convocado interiormente no recolhimento de seu material dramatúrgico através dos diálogos-entrevistas.
A transposição da situação gerada no processo de entrevista para uma situação representacional, onde o aspecto performativo mostrou-se um eco dentro da criação do fenômeno teatral pretendido com o projeto, revirou o entendimento acerca da pesquisa. A destruição de um olhar sobre o processo, com ênfase nos aspectos dramáticos que a cena a ser desenvolvida possa ter, se dá na experiência do próprio processo. Assim, a subjetividade artística, antropocêntrica, é destruída no embate com a linguagem. A experiência gerada pelas entrevistas tornou-se um procedimento para pensar o espaço a ser instalado o texto. No texto verbal criado através das narrativas dos porteiros, foi criado um espaço onde as qualidades corporais, espaciais e temporais da fala do discurso gerou um pensar a encenação como instalação.
O teatro enquanto meio de encenação (da forma dramática) tem como tarefa levar o representado à cena e desaparecer nesta encenação – o teatro enquanto uma situação de instalação, entretanto, torna perceptível o próprio ato da percepção e da recepção. Aqui, o enquadramento é focado e isso faz com que a função poética da língua [...] seja enfatizada em detrimento da sua função denotativa. [...] A instalação da linguagem verbal, seu enquadramento ostensivo, sua exposição ou desemantização, ataca sua função mimética representacional e denotativa, e direciona a língua de modo auto-reflexo para o lugar da fala. A língua enquadrada desta forma segue menos uma ordem semântica do que a dinâmica de uma composição cênica, visual e sonora [para] criar um espaço imaginário que é um espaço criado por vetores energéticos. Um aspecto desta nova concepção de espaço é a idéia de trabalhar com [a exposição das] dimensões corporais, espaciais e temporais da língua. (STRICKER, p. 60).
O olhar estético sobre a representação da cena processual das entrevistas, deu luz a construção de uma dramaturgia que na diversificação de seus processos construtivos, onde depoimentos pessoais, poesia, vídeos-documentais e escrita pessoal servem de detonadores de antigos modos de produção. A percepção do encontro com os porteiros durante seus depoimentos gerou no cerne do processo um olhar dilatado sobre o signo teatral. A construção de um olhar não-dramático sobre a cena, encontrando-se na idéia de teatro pós-dramático a construção dessa pesquisa, torna-se objeto de desejo, um devir necessário a transposição situacional da entrevista para a cena, desta experiência para o espectador. Segundo Silvia Fernandes (2006), em seu resumo crítico sobre o Livro Teatro Pós-Dramático, de Hans-Thies Lehmann citado por Baumgartel (2009, p. 129),
Para Lehmann, o teatro pós-dramático não é apenas um novo tipo de escritura cênica. É um modo novo de utilização dos significantes no teatro, que exige mais presença que representação, mais experiência partilhada que transmitida, mais processo que resultado, mais manifestação que significação, mais impulso de energia que informação.
A reverberação do encontro no campo energético criado entre locutor e interlocutor durante o diálogo registrado em vídeo, se enquadra perfeitamente?? Será que não há uma tensão aqui entre o uso do vida e o encontro presencial no teatro? na idéia de evocação do espectador como co-autor da cena no teatro pós-dramático. O distanciamento dos conteúdos presentes na narrativa, em detrimento da manifestação da forma narrativa utilizada pelos porteiros através do texto verbal e o contato com a câmera em ação no ato do registro do processo, se tornou um exercício de manifestação daquela situação, de evocação das forças internas do interlocutor, um exercício de presentificação, muito mais do que o registro de histórias de vida que pudessem servir a construção de uma dramaturgia pautada nos aspectos dramáticos.
O espaço das entrevistas tornou-se espaço simbólico para pensar a cena e a fruição da dramaturgia, bem como a sua construção, pois ele evocou uma nova percepção acerca da pesquisa, onde a forma, registrada no contato com o outro, torna-se elemento avassalador diante dos conteúdos pesquisados. Um contato com a forma narrativa utilizada pelos porteiros, e sua diversificação, provocou a busca pela criação de “espaços experimentais para percepções não-habituais, porque possibilitam uma nova consciência da situação que o teatro significava, desde já, enquanto prática teatral: o acontecimento de um encontro entre pessoas que apresentam algo e pessoas que assistem algo” (PRIMAVESI, in: ARNOLD, 2004: 9). É, mas o vídeo indica um mediador, alguém cria uma imagem para nós, enquanto no teatro a minha liberdade de olhar é muito maior!
5. MIGRAÇÕES INTERNAS, do representacional ao performativo.
Uma nova visão acerca deste trabalho ergueu-se a partir de um processo de desterritorialização da prática artística e da pesquisa pré-concebida, a partir da desconstrução de uma idéia de identidade. Assim, a prática do ator dentro desta pesquisa torna-se um exercício político na migração dos conteúdos que formam o entendimento de ator neste processo vida/artístico. A migração interna se estabelece como potência reconstrutora da prática artística. Um nomadismo de saberes, experiências e percepção realiza no cerne deste Inventário o surgimento de um “ator nômade”, consciente de sua condição migratória de vida, onde a experiência da inércia artística dá vazão ao movimento. Segundo Maria Cristina da Silva Pereira,
Entendemos por “ator nômade”, o ator que atua na sociedade operando sua criação e construção cênica a partir da desconstrução de uma noção fixa de identidade. Sendo a noção fixa de identidade a que nos referimos àquela que centraliza e asfixia todo e qualquer diálogo com a diferença. Bom poderíamos alertar também ao perigo de diluir, junto com as identidades fixas, as relações de poder! Tudo depende da contextualização que frisa as energias (e as propostas de sociabilidades) que fixam e outras que dinamizam as identidades.
De acordo com os estudos culturais de Stuart Hall: “As identidades, concebidas como estabelecidas e estáveis, estão naufragando nos rochedos de uma diferenciação que prolifera”(HALL, 2005: 44). Entendemos então que o ator tem uma função não só artística, mas também social de extrema importância tanto na construção como na desconstrução de suas práticas e reflexões poéticas, que direta ou indiretamente terminam influenciando o comportamento social e de sua arte enquanto forma de revelação e manifestação simbólica.(PEREIRA, 2008:2)
Dessa forma, na conscientização do papel social do ator a partir das migrações internas de seu processo de construção, destruição e reconstrução artística, apresenta-se o dissolvimento de idéias pré-concebidas acerca do teatro, pautada nos aspectos dramáticos do teatro, no que diz respeito a uma teoria do drama, onde o mover-se nos conteúdos e experiências torna-se um lugar de luta entre o passado e o futuro. O presente manifesta-se no conflito deste processo de territorialização dentro de si mesmo. A pesquisa em teatro proposta neste projeto transmigra-se para uma visão acerca da própria pesquisa da linguagem para o processo de formação de uma identidade em constante processo de construção, coerente com o mundo contemporâneo, onde novas diásporas migrantes se dão a partir do rebelar-se contra o próprio aprisionamento a conteúdos que não mais respondem ao mover-se no tempo/espaço tão característicos da condição de existência do homem contemporâneo. O nomadismo torna-se um ato de resistência, um ato de rebelia contra uma formação artística centrada numa visão antropocêntrica acerca do teatro.
Entre você e o mundo, prefira o mundo.
Franz Kafka.
Bom, João, acho que vc tem um material muito rico! Agora, mas transformar o seu ‘projeto’ em um artigo um pouco mais acadêmico e analítico, vc precisa evitar generalizações. Tem que ser mais específico e fazer algo que chamamos “estudo de caso”. Para isso, não basta falar de modo geral. É preciso elaborar uns paradigmas de análise, aplicá-los ao seu estudo de caso, e depois problematizar os resultados. Entendeu? Mas independente disso, acho a proposta muito interessante. Espero que vc consiga apoio para criar um trabalho teatral!
Nota: A
Referencias Bibliográficas
BAUMGARTEL, Stephan Arnulf. Um teatro contemporâneo como laboratório da fantasia social: alguns apontamentos acerca do teatro chamado pós-dramático. In: Urdimento. n, 09, Santa Catarina: Udesc, 2007.
GALLO, Priscila Marchiori D. & MARANDOLA Jr, Eduardo. Ser Migrante: Implicações territoriais e existenciais da migração. In: VI Encontro Nacional sobre Migrações. Belo Horizonte, 2002.
HAESBAERT, Rogério. Identidades Territoriais. In: CORRÊA, Roberto Lobato & ROSENTHAL, Zeny (org). Geografia Cultural: Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.
KESSEL, Zilda. Memória e Memória Coletiva.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: CosaicNaify, 2007.
LIMA, Wlad. Dramaturgia Pessoal do Ator. Pará: 2005.
NOVARINA, Valére. Diante da Palavra. In: Revista Folhetim, n.15,RJ: Funarte/Teatro do Pequeno Gesto, 2002.
PEREIRA, Maria Cristina da Silva. Ator Nômade: Saberes Órfãos. In: Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE), 5, 2008, Belo Horizonte. Anais...
Um não lugar - a portaria.
Ah, como faz tempo que não posto resolvi me animar depois do trabalho de hoje. Este inventário começou a ser desenvolvido no intuito de recolher narrativas de vida de migrantes nordestinos em São Paulo, e pelo viés da memória, construir uma dramaturgia que falasse do exilio vivido quando se desterritorializa-se. Encontrei um problema, não havia recorte no que estava propondo. Pensava em ir a São Miguel Paulista, bairro da Zona Leste de São Paulo, recolher histórias de nordestinos, visto que São Miguel é um bairro formado pela migração nordestina. ???????????? Sapos coacham na minha mente. Estou perdindo no pântano de minhas pretensões. Uma luz já se apresentava e eu ainda não havia dado conta, pois já vinha conversando com vários nordestinos radicados em São Paulo e não havia percebido que todos eles eram porteiros de edificios e condominios da cidade. Bingo!!!! Recolhi nove histórias de nordestinos que moram em São Paulo, todos porteiros de edificios e condominios. Descobri na portaria um não-lugar. Um lugar de passagem. Um lugar em suspenso, tão caracteristico da vida de um ser migrante. Um migrante é aquele que vive a todo tempo buscando territorializar-se no lugar que escolheu para viver, e nisso, muitas estratégias são criadas. Desde casar-se com uma mulher da mesma cidade a constituir vilas, comunidades e bairros inteiros onde pode se preservar um pouco da sua memória. A conversa com os porteiros mostrou que a portaria é um não-lugar, assim como o do migrante nesta selva de pedra (é como eu e tantos que conheço se sentem), onde a partir da memória os porteiros relembram toda sua história de vida, a trajetoria até aquela portaria, e almejam, em sua grande maioria o desejo de voltar, que resume-se ao desejo de ser feliz. Como diz Joseph Campbel quando fala do mito do Herói o ser humano é esse herói por excelencia desde quando nasce, visto que ali está sua primeira ruptura, sua primeira migração, ele é lançado ao mundo para vencê-lo, e assim, continua sua jornada. Migramos sempre, eu acredito. Seja territorialmente ou mesmo internamente, mas buscamos sempre sair de um lugar ao outro dentro e fora de nós mesmos no intuito de ser feliz, e ao mesmo tempo, estamos fadados a experiencia material do corpo, que horas liberta, em outras aprisiona. Assim como na portaria... O tempo passa, o dia inteiro e sentado atrás do balcão: Sebastião, Severino, Manoel, Rosenildo, Antonio, José, Marco, Heronildes e Antonio voam dentro de suas imagens poéticas de infancia, e eu, do outro lado da câmera me debato como artista-manipulador na busca de que eles traduzam as minhas histórias. Viva a palavra que chicoteia o ar e diz não!
terça-feira, 20 de julho de 2010
Um corpo cheio de olhos e olhares.
Há duas semanas comecei o trabalho de corpo com Joana Levi. Antes de relatar um tanto do que está acontecendo, vale ressaltar o valor deste trabalho com a Joana. A Joana é atriz-pesquisadora da Casa Laboratório de Teatro, e tem um trabalho de longa data a cerca dos caminhos do corpo, desde Pontedera na Itália ao Massud, nos EUA. Enfim, relatado um pouco sobre os mares que tenho percorrido através dela, vamos ao que interessa.
Começamos o nosso trabalho com uma apresentação de nossos repertórios a cerca do corpo. Fiz um aquecimento sozinho onde as referências que me acompanham num trabalho de preparação estavam sintetizadas numa sequencia. A partir dela, a ampliação de espaços internos e articulações se deram num primeiro momento a partir do peso do corpo sobre o chão em posições que promoviam torções. Nesse sentido, um trabalho de preparação que realizei num seminário com Danio Manfredinni, ator e diretor italiano, na Casa Laboratório no ano passado. Em seguida, um pouco de exercicios de bioenergetica experimentados em três e anos e meio de investigação em um processo terapeutico, até trabalhar a visão. A grande descoberta: a primeira visão. Entrevistas. Entre-vistas. O trabalho do chão até o plano alto, foi realizado de olhos fechados, quando me coloquei no plano alto, me foi proposto que descobrisse o proprio corpo a partir da visão. O olhar primevo. Um estado medidativo com o corpo no espaço. Meu corpo se desenhando no espaço sem o comando da mente, apenas reagindo ao olhar. Quando me dei conta já estava descobrindo os limites do meu corpo e do espaço a minha volta. A fronteira entre eu e o mundo. Caminhei na corda bamba antes de saltar o precipicio. Quando saltei descobri no espaço e na sua exploração que podia voar. Ocupei, fui ocupado, inseri ao ser inserido, fui e voltei várias vezes. Descobrimos o olhar. Este que há tanto em minha vida se mostra necessário ser desembaçado: terçol, calázio, miopia, óculos, astigmatismo, e por último, ceratite (um arranhado na córnea direita). Talvez, venha daí, o desejo de usar o audiovisual neste projeto. Visto que ele é desejo, e a cada dia, vem se tornando elemento fundamental na dramaturgia performativa que vem se instaurando. Olhar pelo olhar de uma lente como se fosse um espelho dilatando olhares. Meus olhos capturam. Minha mente edita. E eu sou um filme de mim mesmo nisso tudo. Representando a mim na portaria que me encontro.
Começamos o nosso trabalho com uma apresentação de nossos repertórios a cerca do corpo. Fiz um aquecimento sozinho onde as referências que me acompanham num trabalho de preparação estavam sintetizadas numa sequencia. A partir dela, a ampliação de espaços internos e articulações se deram num primeiro momento a partir do peso do corpo sobre o chão em posições que promoviam torções. Nesse sentido, um trabalho de preparação que realizei num seminário com Danio Manfredinni, ator e diretor italiano, na Casa Laboratório no ano passado. Em seguida, um pouco de exercicios de bioenergetica experimentados em três e anos e meio de investigação em um processo terapeutico, até trabalhar a visão. A grande descoberta: a primeira visão. Entrevistas. Entre-vistas. O trabalho do chão até o plano alto, foi realizado de olhos fechados, quando me coloquei no plano alto, me foi proposto que descobrisse o proprio corpo a partir da visão. O olhar primevo. Um estado medidativo com o corpo no espaço. Meu corpo se desenhando no espaço sem o comando da mente, apenas reagindo ao olhar. Quando me dei conta já estava descobrindo os limites do meu corpo e do espaço a minha volta. A fronteira entre eu e o mundo. Caminhei na corda bamba antes de saltar o precipicio. Quando saltei descobri no espaço e na sua exploração que podia voar. Ocupei, fui ocupado, inseri ao ser inserido, fui e voltei várias vezes. Descobrimos o olhar. Este que há tanto em minha vida se mostra necessário ser desembaçado: terçol, calázio, miopia, óculos, astigmatismo, e por último, ceratite (um arranhado na córnea direita). Talvez, venha daí, o desejo de usar o audiovisual neste projeto. Visto que ele é desejo, e a cada dia, vem se tornando elemento fundamental na dramaturgia performativa que vem se instaurando. Olhar pelo olhar de uma lente como se fosse um espelho dilatando olhares. Meus olhos capturam. Minha mente edita. E eu sou um filme de mim mesmo nisso tudo. Representando a mim na portaria que me encontro.
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