terça-feira, 22 de outubro de 2013

Alteridade Migrante

O migrante quando se destina a algum lugar vai em busca da realização de seus desejos e sonhos. Nem sempre aquilo que encontra está de acordo com aquilo que imaginava. A pesquisa com os porteiros na cidade de São Paulo nasceu de dentro do meu próprio processo de migração quando saí de Natal/RN há cinco anos e vim lançar-me na desvairada Paulicéia. A busca por compreender aquilo que de lá, de perto do mar, eu não conseguia entender foi o que me fez aventurar por este outro mar, por este mar-cidade, por esta cidade com dimensões oceânicas.
A Portaria abriu suas portas ontem no Parque Boa Esperança, no CEU São Mateus, bairro da zona leste da cidade de São Paulo. A cada vez que estas portas abrem por estas bandas constituídas em sua maioria de vidas migrantes, e em boa parte, estas vidas revoaram-se do Nordeste para cá, acontece um encontro de pura alteridade entre meu corpo-artista e o corpo-migrante de tantos José´s, Severino´s e João´s que vivem por estas bandas.
A apresentação de ontem foi realizada no Teatro Myriam Muniz, de igual nome ao prêmio que subsidiou a pesquisa e construção desse espetáculo. O público que assistiu o espetáculo era formado por alunos de EJA de uma escola em torno do CEU São Mateus. O espetáculo após um ano sem abrir suas portas, voltou a visitar dentro de mim esta jornada pessoal. Ao final do espetáculo abrimos uma conversa com o público e me deparo com questionamentos e constatações acerca da cidade, do processo de criação, da fruição que muito me afetaram:
- Eu me vi aí, quando você foi para trás do tecido e estas imagens da cidade... você se movendo aí atrás por trás das imagens da cidade... Você quebrando tudo... Eu me vi assim, no meu dia a dia aqui. Mano, é muito loko aqui. A cabeça da gente fica perturbada.
Falou-me um rapaz que tinha descido da quadra, tinha parado de jogar para assistir o espetáculo. Ele chegou na metade da apresentação.
- O que você sentiu quando você entrevistou esses homens? O que você achou que eles sentiram quando você perguntava para eles coisas da época da infância, do que eles vieram fazer aqui?
Perguntou-me um aluno que tinha lido um texto sobre experiência. Eu disse:
- O que eu senti não consegui pensar foi preciso criar algo a partir do meu sentimento. Por isso eu fiz esse trabalho, para tentar dar conta daquilo que eu não estava conseguindo entender quando eu me mudei para São Paulo.
Um homem levantou a mão e pediu o microfone.
- Boa noite. Antes de mais nada, eu gostaria de lhe parabenizar pelo espetáculo. Eu sou do Nordeste, eu sou cearense, eu moro nessa cidade há vinte e sete anos. Já trabalhei dirigindo carro, eu fui motorista de ônibus, e hoje eu sou professor de filosofia e sociologia dessa galera aqui. Eu já não quero mais... Eu já não quero mais ficar aqui. Eu não vejo a hora de voltar para perto daquilo que eu deixei para trás.
- Ah, professor! Não vai, não! Fica! Fica! Fica! - gritavam os alunos para o professor.
- Eu sei ... eu sei... Mas, eu preciso voltar. - respondeu ele com um sorriso de canto de boca. - Mas, eu só quero te dizer, que eu me vi em quase todos os momentos aí dentro do seu espetáculo. Eu estava aí muitas vezes.
Eu, silenciei, e continuamos a conversa com o público.
No final da conversa, todos nos despedimos, e o professor veio ao palco para apertar minha mão perguntando onde eu me apresentaria, quantas vezes eu já tinha feito e o que eu queria daqui pra frente. Apertou minha mão emocionado, os olhos marejados, dizendo:
Parabéns! Obrigado! Eu preciso voltar... Muito obrigado!
E eu...
portei enfim, o silêncio.
Obrigado professor!




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